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‘ZPE não garante desenvolvimento’

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Sílvia Ribeiro Dantas – Repórter

Helson Braga é economista e presidente da Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (Abrazpe). Nessa entrevista, ele explica o que são essas áreas, como está o desenvolvimento das ZPEs no país e os motivos que fazem com que ainda não tenha sido concluída a implantação de nenhum desses distritos industriais no Brasil, cujo processo foi iniciado em 1988, época em que o o presidente da república era José Sarney. Braga se posiciona contra o fato de a caracterização de um local como pouco desenvolvido estar sendo utilizado como critério para a criação de uma ZPE, afirmando que inúmeros órgãos internacionais apontam a localização em uma área pobre como a causa mais comum para o insucesso das zonas voltadas às exportações, além de o subdesenvolvimento ser um fenômeno complexo o bastante para que se pretenda resolvê-lo apenas com um mecanismo como este. Para o presidente da Abrazpe, a criação de ZPEs precisa ser analisada de uma forma contextualizada, bem informada e com muito equilíbrio e ponderação.
Helson Braga, presidente da Abrazpe
Como podemos explicar o que é uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE)?
É um distrito industrial incentivado, onde as empresas nele localizadas usufruem de um tratamento fiscal, cambial e administrativo diferenciado, com a condição de destinarem pelo menos 80%  de sua produção para o exterior.

Por que foram necessários mais de 20 anos para que a lei de criação das ZPEs fosse regulamentada?
A primeira lei das ZPEs no Brasil é de 1988 (decreto-lei 2.452/1988), assinada pelo ex-presidente Sarney. Com base nesse decreto, o Sarney criou 13 ZPEs em 1988 e 1989, mas quando o Collor assumiu a presidência da república, por sugestão da equipe comandada pela Zélia Cardoso de Mello (ministra da economia na época), suspendeu o programa. A retomada das ZPEs ocorreu no mandato de Itamar Franco, que criou mais quatro dessas áreas. Entretanto em 1994, quando entraram no governo o Fernando Henrique Cardoso e o José Serra – este, o grande opositor do programa – tentaram de novo extinguir o programa e caducar as 17 autorizações já concedidas. Não conseguiram por causa da mobilização organizada pela Abrazpe, mas engavetaram o programa, desmontaram a secretaria executiva do Conselho Nacional das ZPEs (composto por 6 ministros, que comandam o programa) e distribuíram os cargos por outras áreas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Em resumo, a razão fundamental para o programa só recomeçar agora foi a guerra que lhe moveu o José Serra, por duas décadas.

Como está a implantação dessas áreas, no país?
Quase todas as 17 ZPEs já criadas estão retomando seus processos de implantação e se encontram em estágios diferentes. As localizadas no Rio Grande (RS), Araguaína (TO), Teófilo Otoni (MG) e Imbituba (SC) já construíram suas infraestruturas, mas foram impedidas de funcionar por necessitarem que a Receita Federal as alfandegue (o alfandegamento é uma espécie de habite-se), processo que ficou paralisado durante o governo do FHC. Outro grupo é composto por aquelas cujos terrenos não estão mais disponíveis e temos que relocalizá-las. Há ainda o caso de novas ZPEs que estão sendo propostas, cujo primeiro passo depois de publicado o decreto de criação é a constituição de sua empresa administradora, que  normalmente passa por um processo licitatório. Algumas dessas administradoras são empresas públicas, mas a maioria é privada. A Abrazpe está orientando quase todos os processos e a nossa expectativa é de que até o fim do ano teremos pelo menos uma dezena de ZPEs em condições de funcionar, com tudo pronto para que as empresas nelas instaladas também comecem a operar. É possível que algumas empresas também já estejam funcionando.

Por que é tão difícil viabilizar uma ZPE? É preciso mesmo tanta burocracia para sua implantação?
Realmente, o processo é bastante burocratizado ainda e há muito para melhorar. Mas, como visto anteriormente, a demora em começar o programa não se deveu à burocracia. Foi um boicote comandado pelo José Serra, que se tornou mais efetivo quando o seu amigo se tornou presidente da república e ele próprio, ministro do planejamento.

O senhor acredita que a implantação de ZPEs em cidades das regiões Sudeste e Sul do país distorcem o espírito da lei, inicialmente voltada à diminuir os desequilíbrios econômicos no país?
Esta questão requer um explicação mais detalhada. A implantação de ZPEs no Sul e Sudeste distorceria o espírito da lei se a diminuição dos desequilíbrios regionais fosse o único objetivo do programa. E não é. Não é nem o principal. Mas este ponto está sendo invocado por alguns assessores dos ministérios que compõem o CZPE para barrar a criação de ZPEs em estados dessas regiões. Na verdade, estes assessores estão recomendando que cidades pobres, de estados pobres, provem que são pobres para merecer a implantação de ZPEs. Ao mesmo tempo, e contraditoriamente, requerem que estas cidades apresentem infraestrutura econômica e social que garantam a viabilidade econômica dessas ZPEs. Ora, se atenderem a um destes critérios, não têm como atender ao outro.

O que é necessário para que uma região que conta com uma ZPE apresente desenvolvimento efetivo, após sua implantação?
A ZPE é um modelo de industrialização voltado para o exterior desde o começo e, portanto, comprometido com a eficiência, como condição básica de sucesso. Seus efeitos positivos não se restringem ao município onde se instalam, pois estimulam a instalação de empresas também fora das ZPEs e propiciam a difusão de novas tecnologias e práticas gerenciais mais modernas. Alguns países, especialmente os do Leste Europeu, criaram ZPEs mais interessados nesses efeitos indiretos do que propriamente nos empregos diretos que geram. Mas tudo isso é um processo de médio e longo prazo, de efeitos cumulativos, e é importante ter em conta que as ZPEs não dispensam outras políticas públicas de promoção do desenvolvimento. Não é porque foi criada uma ZPE, que os governos podem se despreocupar, achando que o desenvolvimento fica assegurado e virá espontaneamente.

Dentro da realidade atual do Brasil, as ZPEs são mesmo necessárias, uma vez que o governo federal vem desonerando as exportações nos últimos anos?
De fato, o governo já vem desonerando as exportações industriais há bastante tempo, pelo menos desde a segunda metade dos anos 1960. E se você observar atentamente, muitas das características e incentivos das ZPEs já existem, dispersos em outros estatutos legais. Aas ZPEs não estão introduzindo algo que “nunca se viu nesse País”, só que incorporam os incentivos existentes e os ampliam ou simplificam, introduzem alguns novos e reúnem todos eles em uma lei, que garante a sua vigência por até 20 anos, podendo prorrogá-los por igual período, quando se tratar de projeto de grande porte. Esta estabilidade das é importante especialmente quando se trata de empresas estrangeiras, pois as brasileiras já estão acostumadas com a nossa prática de “mudar as regras com o jogo andando”.

Para que uma ZPE tenha sucesso, é essencial já contar com equipamentos como porto e aeroporto nas proximidades ou eles podem ser construídos posteriormente?
As ZPEs dependem criticamente de logística, tanto para escoamento e recebimento de produtos e mercadorias do exterior, quanto a de suprimento de fornecedores internos. Não é essencial que a ZPE fique perto de um porto ou aeroporto, mas tem que ter logística. Certamente, a implantação de uma ZPE estimula o desenvolvimento de uma infraestrutura mais adequada, mas alguma coisa tem que existir previamente à sua implantação. Senão, seus produtos não poderão ser escoados.

Falando mais especificamente sobre o Rio Grande do Norte, que mudanças uma ZPE pode provocar na economia do Estado?
Pode representar um fator importantíssimo da ampliação e da diversificação da base industrial do estado, com geração de emprego e de agregação de valor às suas exportações. No caso de Assu, a ZPE terá o papel adicional de contribuir para um maior equilíbrio do desenvolvimento do RN, hoje fortemente concentrado na região metropolitana de Natal.

Indústrias de quais setores devem ser implantadas no RN?
De um modo geral, as ZPEs tendem a reforçar as atividades já existentes na região onde são localizadas, consolidando cadeias produtivas com a incorporação de estágios de maior agregação de valor. Assim, o perfil industrial mais provável da ZPE de Macaíba é se basear nos segmentos de vestuário e confecções, têxteis, beneficiamento de frutas tropicais, produtos de confeitaria, e beneficiamento de pescado.

Em dezembro do ano passado foi aprovada a criação de uma ZPE na região do Vale do Açu e o Estado aguarda a aprovação de uma ZPE em Macaíba, na área metropolitana da capital. O RN tem condições de receber as duas ou seria mais indicado concentrar os esforços na viabilização de apenas uma delas?
Há espaço suficiente para as duas ZPEs propostas para o RN, por estarem bem distantes e possuírem vocações distintas. Os Estados Unidos têm 266 foreign-trade zones (que são as suas ZPEs), a China tem mais de 3 mil e há países muito menores que têm mais ZPEs do que o Brasil, como a República Dominicana e o Vietnam. Uma preocupação que deve existir, pelo menos num primeiro momento, é não autorizar ZPEs perto umas das outras, até que elas se desenvolvam e se consolidem. Outro ponto que deve ser enfatizado é que o Brasil já perdeu 20 anos em que poderia estar utilizando um instrumento poderoso de desenvolvimento. Já basta o prejuízo causado ao país por uma visão paroquial de que “lugar de indústria é São Paulo” e da falha de percepção de que a descentralização da base industrial e do maior equilíbrio do desenvolvimento no espaço federativo é bom para o país e, mais ainda, para São Paulo.

A análise do projeto para a implantação da ZPE de Macaíba, pelo Conselho Nacional, estava prevista para 31 de março passado, mas foi adiada com a  justificativa de que seria necessário fixar critérios definitivos para embasar novas aprovações. O senhor confirma essa necessidade?
Essa é uma questão um tanto bizantina, que surgiu como uma mal disfarçada tentativa de retardar a implantação imediata do programa das ZPEs na dimensão que o país requer. A lei 11.508/2007 já estabelece os objetivos do programa, os requisitos e critérios a serem levados em conta para a aprovação desses projetos. Como, obviamente, estes parâmetros não são quantitativos e  não tem como fazer uma continha de pontuação desses elementos para, somados, indicarem um grau de aprovação, a legislação atribuiu a decisão com relação a um Conselho de Ministros, como fazem os demais países. As preocupações que se devem ter são de não colocar ZPEs ao lado uma da outra e se o programa não conflita com outras políticas do governo e com normas internacionais. Fora isso, uma vez que a implantação das ZPEs não acarreta custos financeiros para o governo federal, atendem aos objetivos de criação de empregos, diversificação e agregação de valor às exportações e descentralização dos investimentos industriais – que são, supostamente, objetivos de qualquer política séria de desenvolvimento -, então qual é o problema em se autorizar um número mais expressivo de ZPEs? Há muita coisa para fazer ainda, de modo a colocar o programa em condições de operar eficientemente e talvez fosse mais recomendável alocar o tempo e a criatividade normativa a serviço do que efetivamente precisa ser feito.

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