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A leitura no Seridó dos séculos XVIII-XIX

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João Medeiros Filho
Padre 
Há discordâncias quanto à etimologia do termo Seridó.  Câmara Cascudo afirmava que provém da palavra: “ceri-toh”, do vocabulário dos índios tapuias. O étimo, na língua indígena, significa parcas folhagens ou sombras esparsas, em referência às características climáticas e à topografia da região. Alguns pesquisadores aludem à influência dos holandeses, descendentes de judeus sefarditas, naquela região. Eles passaram a denominar o nativo do Seridó por “sarid” ou “serid”, que em hebraico seiscentista quer dizer sobrevivente ou sobejo. Este era o epíteto preferido de Oswaldo Lamartine, que se intitulava “sobejo da seca de 1919.” Segundo outros estudiosos, o vocábulo deriva do hebraico antigo “she’erit”, cuja tradução para o português seria refúgio Dele (Deus) ou lugar de quietude, amor e bênçãos. Para nós, o Seridó é tudo isso e muito mais. É um estado de espírito, criatividade, tenacidade, perseverança e outras virtudes alimentadas pela fé. Nossa terra abrange cultura, arte, contemplação, amor às letras, herança dos ancestrais. 
O bispo de Olinda, Dom Azeredo Coutinho – que regia os destinos espirituais dos católicos potiguares – numa carta-circular enviada, em 1801, aos visitadores diocesanos (sacerdotes responsáveis pela supervisão de algumas paróquias) recomendava cuidados especiais com as bibliotecas: “os fiéis precisam ler bem.” E inspirado em São Jerônimo, arremata o prelado: “Deus também se fez Livro.” É preciso registrar que o visitador mais importante do bispado era o pároco da freguesia de Sant’Ana de Caicó, com jurisdição sobre todo o Seridó e várias freguesias da vizinha Paraíba. O contexto religioso daquela época é relevante para a compreensão dos pilares da leitura no Seridó do passado. Na segunda metade do século XVIII até o século XIX, existiam entre os clérigos e leigos mais esclarecidos, acaloradas discussões sobre princípios ultramontanistas, ensinamentos do Catecismo de Montpellier, ideias galicistas, além do jesuitismo, que permanecia vivo na memória dos seus diocesanos. Isso fez o prelado olindense incentivar leituras e estudos para melhor compreensão dos acontecimentos. 
Entretanto, há outros fatores importantes. Os holandeses que estiveram no Seridó eram protestantes ou judeus (alguns abraçaram o catolicismo, temendo a sanha da Inquisição). Os evangélicos eram alfabetizados para ler a Sagrada Escritura. Os sefarditas geralmente eram letrados. Deviam saber ler para ter acesso à Palavra de Deus, em especial, à Torá. É possível que isso tenha motivado o povo seridoense. A influência técnica e cultural dos neerlandeses é marcante na história do Seridó. No bojo desse patrimônio não se pode deixar de incluir o hábito de ler. É inimaginável que pessoas de tão avançados saberes não dominassem a escrita e a leitura. E se legaram conhecimentos tão preciosos aos seridoenses, não poderiam ter deixado de transmitir o prazer e o hábito da leitura.
Padre Sebastião Constantino de Medeiros, governador do bispado de Olinda (em virtude da prisão de Dom Vital Maria Gonçalves, decorrente da Questão Religiosa), em instrução normativa destinada ao clero diocesano, determinou que “os párocos, vigários encomendados, coadjutores e capelães cuidassem das igrejas, dos cemitérios, irmandades, obras de caridade e bibliotecas.” Pelo que se pode inferir, já era bem difundido entre os habitantes o gosto pela leitura. E pelo que se depreende das raras fontes disponíveis (mormente, os livros de tombo paroquiais), além de algumas obras literárias, de âmbito eclesiástico, os seridoenses mostravam familiaridade com os almanaques e suas resenhas da cultura erudita e popular, anuários, biografias de santos e manuais didáticos. Ainda hoje, perduram vários anuários, por exemplo, o de Santo Antônio, contendo desde artigos de formação a informações sobre as marés e fases da lua. Há também os calendários, destacando-se a Folhinha do Coração de Jesus, datando do final do século XIX. Até hoje, circula com uma tiragem acima de um milhão e meio de exemplares. São inegáveis o costume e o prazer pela leitura, constituindo um itinerário bem erudito no Seridó do passado. O conhecimento bíblico de judeus, católicos e evangélicos levou nossos antepassados a viver o que proclama o Livro de Josué: “Que o livro […] esteja sempre diante de teus olhos. Medita nele, noite e dia, para que possas agir de acordo com o que ali está contido” (Js 1, 8).
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