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Um tufão chamado Nina Rizzi

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Nelson Patriota – Escritor

Nina Rizzi visitou Natal no fim da semana passada. Blogueira, militante de movimento reformista do campo, poetisa, Nina Rizzi andou pelo velho Centro, visitou o Sebo Vermelho, conheceu o Beco da Lama com seu corredor de bares repletos de boêmios, bebeu e proseou com um grupo de admiradores hipnotizados pela sua gama de adereços sedutores: juventude, espontaneidade, beleza, civilidade, talento e uma isenção edênica para pecar sem pecar porque tem certeza de que esta é a sua estação e não está disposta a desperdiçá-la.

Moacy Cirne, Jarbas Martins, Abimael Silva, Francisco Sobreira, Nei Leandro, Inácio Magalhães… Todos se sentiram de repente mais joviais, mais vivos, mais recompensados das cobranças da vida, após a visita de Nina Rizzi. É bem verdade que foi uma visita meteórica (precisaria amanhecer em Fortaleza na segunda-feira), mas deixou impressões duradouras, como a sugerir que a beleza caminha sob pés alados (Diana) e é tão indescritível como a Helena disputada por gregos e troianos.

De nossa parte, confessamos com pesar que faltamos aos locais por onde transitou a sedutora Nina (nome é destino, então, e seduzir parece ser o das Ninas). Em compensação, ela nos deixou um exemplar do livro no qual verseja ao lado de outras iguais. Trata-se de Dedo de moça – uma antologia das escritoras suicidas ? desde já o agradecemos ­? que, felizmente, é mesmo o que parece: uma rica metáfora poética de autoras, aliás, bem vivas.

Nina Rizzi aí é descrita, nos créditos finais, como “historiadora, escritora e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST)”. Outra informação importante: Nina Rizzi é “sem raízes, vive atualmente em Fortaleza […] edita o blog Ellenismos e escreve no Putas Resolutas. [ [email protected]]”.

Meditemos nesta informação biográfica dada em boa hora pelo anônimo resenhista do livro: Nina Rizzi é “sem raízes”. Terá isso algo a ver com o fato de a poetisa vasculhar os campos, de quando em vez, junto com bandos de outros desenraizados? Ou se trataria de outra semântica, lapso de polissemia que escapou a quem escreveu? As origens italianas que o sobrenome denuncia talvez pesem para o seu atual (queremos crer, provisório) desenraizamento…

Esse dubitativo conflito botânico, aliás, comparece às primeiras linhas do seu poema “A valise” (antologizado em Dedo de moça: “se, esquerdatária, vivo tanto seca/ posso vender qualquer coisa/ pra que não sucumba, oh dona de adversidades.// uma faca de passar manteiga/ ? a espessa gordura que me cobre,/ me serve de chave, burra, nos pulsos.// se vivo de (me) ver-dura,/ quedo horrorizada ante as carnes mortas.// é nos entretantos, os mais sutis, que me escamo-teio”.

Visto assim de relance o poema, salta aos olhos que as palavras não chegam para o tanto que Nina (Rizzi) tem a dizer. Como se decidir por um único sentido, ante palavras-valise como esquerdatária, seca, ver-dura, gordura, escamo-teio, nessa poética de múltiplos dizeres?

Dedo de moça prossegue a luta de Nina Rizzi em outras trincheiras. Uma delas é nitidamente aquela que em nossos tempos se esforça para consumar a compatibilização entre sexo e gênero, em suas variadas e criativas possibilidades. Aí se destacam sobretudo os poemas ligeiros e precisos de Adelaide de Julinho (parente de um certo e caviloso Julinho de Adelaide). Outra questão lida com o tópico nunca resolvida sobre uma possível escrita de sexo feminino.

Cremos que essa seja uma questão atualmente esquecida das discussões de gênero, talvez devido às inúmeras dificuldades que surgem quando se tenta sexualizar a gramática e a semântica, razão pela qual os estudiosos da linguagem tradicionalmente a têm evitado.

As escritoras suicidas, tendo à frente a militante Nina Rizzi, tornaram-se agora uma referência poética entre nós. Com novos motivos na praça, não é exagero se afirmar que a poesia anda por aí de cara nova…

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