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Precariedade da rede obstétrica sobrecarrega maternidades de Natal

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Kayllani Lima Silva
Repórter

Na rede de atenção obstétrica do Rio Grande do Norte, um quadro se repete: a peregrinação de mulheres do interior do Estado em busca de atendimento em Natal. O cenário, segundo especialistas ouvidos pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE, acontece por um somatório de fatores que incluem a falta de qualificação de equipes nos municípios, as falhas na central de regulação obstétrica e a estruturação das redes básicas locais. O resultado disso é a concentração de atendimentos e a sobrecarga nas maternidades natalenses. Em cinco anos, Natal registrou 89.231 nascidos vivos. O número é maior que o registrado em cidades da região metropolitana como Macaíba (7.452), Parnamirim (11.733) e São José de Mipibu (16.439).


No comparativo com João Câmara, os nascimentos da capital superaram em mais de 300 vezes os 234 nascimentos registrados no município e em cerca de 58 vezes o de Açu (1.528), ambas cidades com unidades de referência. Há, ainda, pequenos municípios como Arês e Alto do Rodrigues com menos de 10 nascimentos registrados. Para o presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio Grande do Norte (Sogorn), Robinson Dias de Medeiros, os dados refletem uma precariedade na rede obstétrica do Estado.


“Apesar de Natal e região metropolitana terem a maior densidade populacional do Estado, o dado que se obtém com o número de nascidos vivos na capital extrapola. Não é apenas por conta disso, mas porque reflete a precarização da assistência em outros municípios”, pontua. Aliado a isso, a atenção às gestantes e puérperas é perpassada por falhas da Central de Regulação Obstétrica, que prejudicam a comunicação entre sistemas de menor e maior complexidade para encaminhamento adequado das pacientes.


Integrada a essa estrutura, apenas duas maternidades e um hospital são referência para partos de alto risco na rede ligada à Secretaria de Saúde do Estado (Sesap/RN). Somado a isso, em dez anos, a capital potiguar concentrou o maior número de Autorização de Internação Hospitalar (AIH) para partos normais e de alto risco, com 62.347 procedimentos. Na contramão, Portalegre, Poço Branco e Itaú aparecem com apenas uma AIH.

Os dados são do Datasus, com base no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e no Sistema de Informações Hospitalares do SUS. Enquanto o número de nascimentos corresponde ao período de 2018 a 2022 (ano limite da série histórica), por Hospital e outros estabelecimentos de saúde, as informações sobre AIH contemplam o espaço referente a janeiro de 2014 a janeiro de 2024.

Na ausência de serviços qualificados em algumas cidades, afirma Robinson Dias de Medeiros, acontece uma ‘convergência das populações’ na capital que levam ao aumento da demanda e sobrecarga em algumas unidades, a exemplo da Maternidade Escola Januário Cicco (Mejc/UFRN). O panorama, segundo descreve o especialista em obstetrícia e ginecologia, é um conjunto de cadeiras e macas ocupando os corredores com mulheres puérperas que necessitam do atendimento local.


A médica ginecologista da Mejc, Maria da Guia de Medeiros Garcia, afirma que a centralização da demanda acontece principalmente nos casos de gestão de alto risco, uma vez que há apenas quatro unidades voltadas a esses casos no Estado. Já nos quadros de gravidez de risco habitual, ainda que outras cidades apresentem maternidades de menor porte, nem sempre elas têm equipes completas que possibilitem a permanência das pacientes em seus municípios de origem.


“Então, vemos esse dado [de nascidos vivos do Datasus] com preocupação, [sobretudo] reunindo ele com as razões de mortalidade materna no Rio Grande do Norte que está muito elevada”, ressalta o presidente da Sogorn. A morte materna, continua, consiste na morte evitável em mais de 99% dos casos durante gravidez, parto e puerpério.

Mortalidade
Conforme apontam dados do Datasus, no período de 2018 a 2022, o Rio Grande do Norte registrou 182 casos de óbitos maternos. Apenas em Natal, foram 39 casos, o maior registrado entre as cidades. Na sequência, aparecem Mossoró (16) e Parnamirim (9). Do Brasil ao Rio Grande do Norte, o presidente da Sogorn afirma que os níveis dessa ocorrência são avaliados como elevados pela Organização Mundial de Saúde, sendo comparados com índices de países subdesenvolvidos do continente Africano.


Seja nas capitais, ou no interior do Estado, o especialista também alerta que trata-se de um dado atravessado pela subnotificação. Entre os principais fatores que levam mulheres a morrerem durante a gravidez, o parto ou puerpério, estão a falta de qualificação de equipes de saúde municipais para prestar uma assistência pré-natal com qualidade. Robinson Dias de Medeiros argumenta que, fora esse suporte, os profissionais precisam ter qualificação para conseguir rastrear o risco gestacional e encaminhá-lo adequadamente à instituição necessária.


Na avaliação dele, embora algumas cidades não demandem um serviço de gestação de alto risco, precisam contar com um quadro de profissionais para identificar esses casos. Uma vez sem essas condições asseguradas, acontece uma ‘peregrinação’ das mulheres por maternidades e serviços voltados à obstetrícia devido a falta de orientação e encaminhamentos assertivos.

De acordo com Francisco Canindé dos Santos, presidente do Conselho Estadual de Saúde (CES/RN), o parto é um trabalho de responsabilidade da atenção básica. Apenas em casos em que as pacientes precisam de atenção especializada, como acontece na Mejc e no Hospital Santa Catarina, é que elas deveriam sair das suas cidades.


“Em relação a esse número alto [de nascidos vivos] na capital em detrimento do interior do Estado, chamo atenção para a questão ambulancioterapia. Em boa parte dos municípios, qualquer situação que vai além do básico manda para Natal, ou leva-se para um município maior. Com isso, termina acontecendo uma situação como essa”, enfatiza o presidente do CES/RN.


O conjunto de desafios que perpassam a rede obstétrica potiguar, observa o presidente da Sogorn, lançam luz para os deveres que precisam ser cumpridos com foco na melhor estruturação da atenção à rede obstétrica nas regionais de saúde. Ele lembra que, segundo as diretrizes da OMS, a mulher tem o direito de conseguir ser assistida próximo ao local da sua residência. “Não é justo que uma mulher venha perambulando de Canguaretama até Natal, [por exemplo], por falta de uma equipe qualificada no município”, critica.

Estado tem 16 unidades para atendimento

Ao todo, o Rio Grande do Norte conta com oito regionais de saúde (RS): 1 º Região – São José de Mipibu; 2 º Região – Mossoró; 3º Região – João Câmara; 4 º Região – Caicó; 5 º Região – Santa Cruz; 6 º região – Pau dos Ferros; 7 º região – Metropolitana e 8 º região – Açu. Segundo a Sesap, a assistência ao parto de risco habitual acontece em todas as regionais, onde cada uma abriga pelo menos um serviço de referência.


A atenção ao parto de alto risco gestacional, por sua vez, está presente em duas macrorregiões de saúde: a Oeste Ampliada, na qual a Maternidade Almeida Castro é referência; e a Metropolitana Ampliada, que conta com o Hospital Dr. José Pedro Bezerra e a Mejc para atendimento. Em toda a rede do Estado, 16 Unidades atuam no campo obstétrico. Delas, cinco são de gestão estadual, enquanto as demais se dividem em gestão municipal, federal e filantrópica.


O Governo do Estado informou que as que estão sob a sua gestão atendem propriamente a demanda, dentro da capacidade estimada. Na Mejc, por sua vez, a realidade constatada por Robinson Dias de Medeiros é reiterada. Isso porque, segundo a Instituição, em alguns períodos a capacidade de atendimento na internação é superada, chegando a atingir uma taxa de ocupação equivalente a 130%. Além disso, apenas em um dia circulam aproximadamente 360 pacientes na unidade entre gestantes, puérperas e recém-nascidos, distribuídos em uma estrutura que conta com 139 leitos e 40 salas/consultórios. Por ser um prédio tombado, não há possibilidade de reformas e expansão de sua estrutura física.


Já o Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB-UFRN), também sob gestão federal, consegue atender a demanda. Na capital potiguar, além do Mejc, outras duas maternidades geridas pela Prefeitura do Natal integram a estrutura: a Maternidade Dr. Araken Irerê Pinto e a Maternidade Leide de Morais. Diferente da Januário Cicco, as unidades parecem atender a demanda para risco habitual. Segundo a SMS, apesar de não terem limitações na infraestrutura, é preciso ampliar a estrutura no cuidado ao binômio mãe-bebê.


A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Parnamirim para saber em que panorama encontra-se a Maternidade Divino Amor, mas não obteve retorno.

Pac Saúde prevê nova maternidade em Natal

Enquanto a rede obstétrica do Estado evidencia fragilidades na assistência oferecida às mães, o Novo Pac Saúde traz novas promessas para a saúde materno-infantil. Lançado pelo Governo Federal, o programa prevê investimentos em dez eixos, entre os quais estão a construção de novas maternidades e Centros de Parto Normal (CPNs). Para o Rio Grande do Norte, foram assegurados recursos para a construção de uma maternidade e 63 CPNs distribuídas por municípios.

O projeto da nova maternidade foi apresentado pela Sesap/RN. Segundo a pasta, a Unidade será construída em Natal, somada a um CPN, a fim de atender a demanda de alto risco. No momento, as obras encontram-se em fase de projetos arquitetônicos, executivos e elaboração da documentação para a construção do prédio. A escolha da capital como sede do serviço levou em consideração a estrutura já existente e necessidade de ampliação da assistência por ser um município-polo da macrorregião.

De acordo com o Ministério da Saúde, estão previstos R$ 153 milhões para a construção da maternidade. Os critérios utilizados pela pasta na escolha dos projetos incluem os índices de mortalidade materna, de vulnerabilidade socioeconômica e de nascidos vivos pretos, pardos e indígenas da Macrorregião de Saúde; fora a proporcionalidade regional e cidades com habitantes ou mais de 4500 nascidos vivos em 2022.

Na avaliação da Sogorn, os parâmetros do MS foram coerentes por terem relação com os indicadores de saúde materna e infantil, além da elevada razão de mortalidade materna nas regiões escolhidas. “Acredito que a escolha de Natal para sediar a nova maternidade foi acertada, tendo em vista os problemas maiores inerentes à maior densidade populacional da região metropolitana da capital”, reforça Robinson Dias de Medeiros.

Francisco Canindé dos Santos, por sua vez, avalia o programa com ponderações. Embora o conjunto de obras previstas seja positivo quantitavamente, argumenta, é necessário pensar na estruturação de equipes multiprofissionais nesses espaços. “Não adianta construir uma unidade de saúde se junto da construção física você não trouxer as condições que façam com que ela prospere e garanta a assistência que a população precisa”, enfatiza.


Maria da Guia de Medeiros Garcia reitera a importância da estruturação das equipes, além da manutenção da qualidade dos serviços da rede obstétrica, e sugere a disseminação dos sistemas de consórcio como um caminho possível para melhorar a assistência materno-infantil nas pequenas cidades. Em outras palavras, promover parcerias entre cidades inseridas na mesma região para favorecer a melhora dos serviços.


No que se refere a previsão da nova maternidade em Natal, ainda que reconheça os critérios considerados pelo MS, ela afirma que um outro caminho mais viável seria a transformação da maternidade de São José de Mipibu em uma unidade para atender casos de alto risco. Segundo dados da Mejc, cedidos à reportagem da TRIBUNA DO NORTE, além de Natal, o município é um dos que mais demandam atendimentos de obstetrícia na Maternidade ao lado de Canguaretama e Nísia Floresta.


De acordo com o Ministério da Saúde, as cidades e estados com obras incluídas no PAC têm até o dia 10 de maio para preencher as propostas de formalização. Na sequência, terá início o período de análises técnicas que deve ser concluído em aproximadamente 20 dias. A partir disso, será possível efetivar a assinatura dos termos de compromisso e as transferências do Fundo Nacional de Saúde para os fundos de saúde estaduais e municipais. A expectativa da pasta é que o empenho dos recursos do para todas os equipamentos do país estejam prontos até o dia 30 de junho e que os primeiros repasses sejam feitos neste ano.

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