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Prostituição fora de Ponta Negra

SOBREVIVÊNCIA - Prostitutas relatam os problemas enfrentados nas ruas

O assunto da vez é a prostituição. O tema é antigo na cidade e nos faz voltar às décadas de 1940-50, tempo do saudoso cabaré de Maria Boa, por onde muita gente importante do Estado passou, e das boêmias “profissionais do sexo” do Beco da Quarentena, que prestavam serviços aos soldados americanos que se esbaldavam.

Recentemente, o assunto vem sendo tratado pela imprensa de forma periódica, mas as autoridades só acordaram para o problema após reportagem exibida em rede nacional pelo Jornal da Globo, onde figurava a praia de Ponta Negra como um dos principais pontos do turismo sexual no Nordeste. De forma imediata, empresários, poder público e a sociedade civil organizada reuniram-se e instituíram uma força tarefa para combater a prostituição e problemas agregados como a exploração de menores e tráfico de drogas. Para tanto, a polícia recebeu treinamento de qualificação, intensificaram a fiscalização nos estabelecimentos comerciais e, se encontra em fase de análise, a possibilidade de se oferecer cursos profissionalizantes para atender residentes da Vila de Ponta Negra como forma de reintegrar as profissionais do sexo à sociedade.

Mas enquanto os olhares e ações se voltam apenas para Ponta Negra, em outras áreas da cidade, consideradas pobres e marginalizadas, o problema é bastante antigo e conta com locais que já se consolidaram como pontos certos de prostituição. A prática da prostituição é vista pelos profissionais da saúde como um caso de saúde coletivo, pois as pessoas que se prostituem fazem parte do chamado grupo de risco por serem vulneráveis às doenças sexualmente transmissíveis. Sem falar dos envolvimentos com drogas e outras práticas ilícitas, problemas de ordem social e sanitária, portanto, responsabilidade do poder público.

Todos os dias e a qualquer hora, em alguns lugares, é possível encontrar garotas e homossexuais fazendo ponto em frente à Rodoviária da Cidade da Esperança; na avenida Bernardo Vieira, nas proximidades da linha do trem; no Cais do Porto 01 e 02, nas Rocas; Rodoviária Velha; Quintas; praça Gentil Ferreira, no Alecrim; avenida das Fronteiras e Estrada da Redinha, na Zona Norte; avenida Engenheiro Roberto Freire; e orla marítima da Praia do Meio e Ponta Negra. Sem falar que espalhadas pela cidade existem inúmeras “casas da vida” (antigos cabarés), local onde as mulheres de programa trabalham e vivem.

Segundo Marinalva Ferreira da Silva, presidente da Associação das Profissionais do Sexo e Congêneres do RN (ASPRORN), a prostituição na cidade é um problema social grande, somente a associação conta com mais de mil garotas cadastradas, divididas entre primeira idade (entre 18 a  25 anos), segunda idade (26 a 45 anos) e terceira idade (45 a 60). Os públicos atendidos, os tipos de garotas e os preços são distintos. Na Zona Sul, precisamente em Ponta Negra, garotas mais novas atendem aos turistas e cobram, em média, 150 Euros (mais de R$ 300,00), enquanto mulheres mais velhas atuam nas demais áreas atendendo a um público assalariado que paga R$ 20,00 por programa. Há casos de garotas que cobram R$ 10,00 e até menos.

“Somos classificadas como mulheres de ‘vida fácil’, mas a realidade é muito difícil. A história de todas é praticamente a mesma: pobreza, falta de qualificação profissional, aluguel para pagar, filho para criar, muitas foram largadas pelos maridos, outras têm que sustentar pai e mãe. Não é uma vida que se escolhe, é uma alternativa de sobrevivência. Reconheço que muitas, por sofrerem tanto na vida, acabam não sendo confiáveis para a sociedade, mas no nosso meio existe muita gente de bem e que gostaria de mudar, mas somos marginalizadas por uma atividade que nem é crime, enquanto outros fazem coisas piores e não são condenados pela sociedade. Para se ter uma idéia, estou lutando, sem sucesso, há muito tempo para arranjar um curso de qualificação profissional para apenas 48 garotas. Ao mesmo tempo, vejo na mídia os empresários e governantes falando em curso profissionalizante para combater a prostituição em Ponta Negra só porque o problema está perto da alta sociedade”, disse Marinalva.

Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas), a prefeitura não tem nenhum projeto específico para esse grupo da sociedade.

Mulheres se arriscam em becos na Bernardo Vieira

A TN conferiu o ambiente precário e a forma de trabalho das prostitutas e congêneres da avenida Bernardo Vieira e das proximidades da Rodoviária na Cidade da Esperança. Garotas, senhoras e adolescentes arriscam suas vidas em becos escuros ou em esquinas de áreas reconhecidamente violentas. Muitas fazem um programa por R$ 10,00, outras por apenas R$ 3,00. Algumas garotas e travestis admitiram que se o cliente pagar mais, praticam o sexo sem o uso do preservativo.

Na Bernardo Vieira, a garota A. F. D., que pediu reserva da imagem, mas para efeito de identificação chamaremos de Grace, admitiu fazer programas todas as noites ao preço de R$ 10,00. Janete, mal vestida e descabelada, disse que entrou na “vida” por uma questão de sobrevivência. Confessou que às vezes não usa preservativo e que já foi agredida. Também disse que não recebeu por vários programas. “É uma vida muito difícil”.

Ela tem como clientes trabalhadores do comércio da região e freqüentadores da Feira do Carrasco. Marinalva Ferreira da Silva explicou que na Bernardo Vieira o mercado do sexo está em plena expansão. “É um local de sexo fácil e barato, muitas dizem que cobram R$ 10,00, mas na verdade recebem apenas dois ou três reais.

Mulheres enfrentam a Violência e às drogas

Outro problema é a violência associada às drogas. Fazemos distribuição de preservativos para as garotas e congêneres daquela área e muitas vendem para comprar drogas como crack”, afirmou  Marinalva.

Na Cidade da Esperança, o travesti G. B. V., que por reserva da imagem identificaremos como Shenia, disse que a prostituição acontece todos os dias com maior intensidade na sexta-feira e no sábado. Shenia disse que faz de dois a três programas por dia ao custo de R$ 20,00 pela hora. Ela disse que nunca foi vítima de violência, mas testemunhou várias prostitutas serem espancadas e ainda roubadas.

 “Não é moleza viver à mercê da sorte. Não temos garantia do cliente ser confiável e, às vezes, para ganhar um pouco mais nos sujeitamos a coisas terríveis. A discriminação no meu caso é ainda pior, não tenho qualificação profissional, ninguém quer dar emprego para gente como eu, mas preciso sobreviver. Por isso faço o que faço”, disse Shênia ao comentar sobre o seu dia-a-dia e a atividade que exerce para poder ganhar dinheiro e sobreviver.

Prostituição relatada desde a era antiga

O termo prostituição vem de “prosto”, do latim, que significa exposto ao olhar público, como um produto na vitrine à espera de ser comprado, no caso, alugado.

A prostituição se perde na história, pois é relatada desde os tempos remotos. Confunde-se com a própria história da humanidade. Na Europa, chegou a ser oficializada durante a Idade Média como mais uma forma de se gerar divisas para o Estado. Consolidou-se nos meios urbanos na época da Revolução Industrial, devido ao êxodo rural, formaram-se enormes aglomerações urbanas, redutos de pobreza propícios a práticas consideradas promíscuas.

No Rio Grande do Norte, precisamente em Natal, a história da prostituição ganhou repercussão e gerou mitos nas décadas de 1940, época da Segunda Guerra Mundial, e 1950. Entre os vários locais que prestavam serviços sexuais destacam-se o Beco da Quarentena, na Ribeira, que fazia a alegria dos soldados americanos, trabalhadores e comerciantes da região e o mitificado “Cabaré de Maria Boa”, aonde a elite da sociedade local e internacional ia em busca dos prazeres oferecidos pelas requintadas damas da casa.

Algumas histórias sobre a prostituição dessa época são recheadas de muito saudosismo e inocência, se comparado ao que é praticado hoje. Segundo o poeta e escritor Sanderson Negreiros, um importante expoente da história potiguar, após passar pela casa de Maria Boa, chegou irradiante e ao mesmo tempo abismado ao Natal Clube, local onde os homens da sociedade jogavam cartas. O homem relatou aos colegas o grau de imoralidade a que chegara as garotas novatas de Maria Boa. As garotas haviam trazido uma nova técnica para Natal, imaginem: “dançar com os braços agarrados no pescoço”. O fato horrorizou os colegas da sociedade e lotou a famosa casa nos dias seguintes.

Outras lembranças não são tão saudosas assim. Sanderson Negreiros também relata, através de um poema, a dura realidade das prostitutas do Beco da Quarentena que ele observava quando, aos 17 anos, ia ver Dorian Gray  exibir sua arte.  Foi quando viu o destino tão cruel, a tristeza e solidão de uma jovem garota de programa entregue à maternidade prematura.

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