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Já são 296.517 os idosos do RN

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Fábio Araújo – Repórter

O Rio Grande do Norte está ficando mais velho. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a população de idosos no Estado cresceu, nas últimas décadas, a taxas maiores do que as demais faixas etárias. No Censo de 1991, 8,2% dos potiguares tinham mais de 60 anos. O percentual subiu para 9% no ano 2000 e continua em alta, tendo chegado a 9,83% na Contagem Populacional de 2007. Em termos absolutos, o número de idosos passou de  199.122, há duas décadas, para 296.517 em 2007. São quase cem mil pessoas a mais precisando de cuidados específicos, carinho, atenção e políticas públicas voltadas para suas necessidades. No Brasil, dados do Ministério da Saúde  mostram que 10% da população já chegou à chamada Terceira Idade. Dos 19 milhões de idosos, 20% requerem atenção especial devido às suas condições de saúde.

Os levantamentos nacionais do IBGE lançam novos alertas. Enquanto a população idosa aumenta em percentual, as taxas de natalidade estão em queda livre. Desde os anos 1960, a taxa de crescimento da população recuou de 3,04% ao ano para 1,05% em 2008. A previsão do Instituto é que o país apresente potencial de crescimento populacional até 2039, para quando se espera o chamado “crescimento zero”. Já em 2050, a taxa de crescimento deverá ser negativa, caindo para –0,291%. Os idosos vivem cada vez mais, ao passo que nascem menos bebês. O resultado será o aumento contínuo e inevitável do total de idosos na população brasileira. “Em 2008, para cada grupo de 100 crianças de 0 a 14 anos existem 24,7 idosos de 65 anos ou mais. Em 2050, o quadro muda, e para cada 100 crianças de 0 a 14 anos existirão 172,7 idosos”, afirma texto publicado no site do IBGE. Mais brasileiros na Terceira Idade do que na infância e pré-adolescência. Em 2008, a média de vida para mulheres é de 76,6 anos e, para os homens, 69.

Como a sociedade de hoje está se planejando para este quadro que deverá virar realidade nas próximas décadas? “A situação é preocupante, estamos muito atrasados. O país não tem sabido lidar com o envelhecimento da população. É preciso começar a acordar para essa questão”, afirma a titular da 30ª Promotoria de Justiça de Natal, Iadya Gama Maio, que atua na defesa dos direitos da pessoa idosa.  “Ninguém está se dando conta  dessa necessidade. Se não criarmos os caminhos hoje, não teremos os direitos fundamentais assegurados no futuro. A hora de agir é agora”, conclama a promotora. Iadya lembra que o Brasil conta com um instrumento avançado como o Estatuto do Idoso, e  precisa garantir que ele seja aplicado em sua totalidade.

Para a promotora, a questão primordial é criar uma rede de serviços para idosos. “Fala-se muito em políticas públicas, mas quando procuramos algo concreto, vemos que há muito pouco. Natal tem uma delegacia do idoso, mas não tem nenhum centro-dia, local onde o idoso pode passar o dia e voltar para casa em seguida. Por exemplo, a Prefeitura já deveria ter implantado um programa de atendimento domiciliar, com equipes visitando as casas. Isso foi acertado num Termo de Ajustamento de Conduta assinado há um ano e já pedi informações sobre o andamento”, cita.

Iadya Gama Maio destaca que não basta aumentar a longevidade das pessoas. “De que ainda chegar aos 80 anos sem qualidade de vida? Eles precisam de autonomia, ser donos de suas decisões, envelhecer de forma ativa. Não estou vendo os candidatos apresentarem propostas para a Terceira Idade”, alfineta. A promotora lembra o caso da Argentina, onde o governo paga cuidadores de bairro para ajudar os idosos em suas residências. “Uma das características da população brasileira é o envelhecimento. Falta habitação, falta saúde, faltam programas sociais suficientes para essa faixa. As cidades não são acessíveis, o transporte público não os respeita. Vemos casos de idosos sem acesso à UTI e ameaçados até de perder membros enquanto esperam na fila”, critica.

Pelo menos a promotora nota que casos de violência física em Natal têm sido raros. “Mas a pior violência é a institucional, quando os serviços funcionam mal ou não existem. Há também a violência financeira, em que a família explora o idoso, e a psicológica, que se manifesta em opressão e tratamento desrespeitoso”, ressalta Iadya.

Há avanços, porém. A promotora lembra que a iniciativa privada começa a  mudar sua visão sobre os idosos, adaptando seus produtos para eles. “Temos embalagens menores, apartamentos voltados para a Terceira Idade, modalidades específicas de empréstimo. A demanda pela profissão de cuidador, por exemplo, deve crescer. O idoso representa um mercado grande em várias áreas e o mercado precisa acordar de vez para isso”, cobra. Para ela, o poder público precisa acompanhar essa mudança de mentalidade.

Faltam serviços adequados ao idoso

“Um dia a casa vai cair e vamos descobrir que é tarde demais.  A sociedade não está se preparando para o envelhecimento da população. Daqui a 40 anos, como estaremos?”, alerta a presidente do Conselho Municipal do Idoso de Natal, Thelma Targino. Para ela, se não acontecer logo uma mudança de atitude, com ações por parte dos governos, mais na frente o quadro estará muito aquém do ideal. “É preciso sair da discussão e partir para a prática. Se não nos prepararmos, vai haver um colapso, com a pessoa idosa desassistida”, provoca Thelma. Ela critica a ausência de serviços adequados ao idoso, apontando que Natal não tem nenhum abrigo público, dependendo de seis unidades filantrópicas conveniadas ao governo e seis outras privadas. Natal também não tem  um centro-dia, que impeça ou retarde o abrigamento.

“O adulto que se omite hoje será o prejudicado de amanhã com a falta de políticas públicas. A sociedade inteira precisa se ver como um envelhecente. As pessoas têm medo da velhice e isso cria um antagonismo. Falta educação e a consciência de que todos vamos envelhecer”, critica Thelma Targino. Para exemplificar a insuficiência das ações governamentais, ela informa que a meta de atendimento de idosos no convênio entre a Semtas e o Governo Federal é a mesma há 14 anos: 1.850 conveniados. “O mais grave é que o Estatuto do Idoso atribui à família a obrigação preliminar de cuidar deles. Se isso acontecesse, os serviços públicos não ficariam tão sobrecarregados”, aponta.

A Secretaria Municipal de Trabalho e Ação Social (Semtas) desenvolve algumas iniciativas voltadas ao idoso. O Programa de Atenção à Pessoa Idosa (API-Domiciliar) é um serviço de atendimento psicossocial domiciliar, direcionado à pessoa idosa com algum nível de dependência física e financeira. Inclui ações de complementação alimentar através da concessão mensal de cesta básica, atendimento emergencial em situação de óbito e encaminhamentos diversos à rede de proteção à pessoa idosa, O objetivo é prestar assistência domiciliar ao idoso que se encontra em precárias condições socioeconômicas e dependência de locomoção.

Há também o Programa API-Conviver, que busca prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, direcionando as pessoas idosas, juntamente com sua família, à rede integrada de proteção social. Ao todo são 54 grupos de convivência e mais de 1.900 pessoas beneficiadas.

Por fim, a emissão da Carteira do Idoso garante a gratuidade no transporte interestadual, com  reserva de duas vagas por veículo para pessoas idosas. No caso do preenchimento das referidas vagas, o próximo idoso terá o direito ao desconto de, no mínimo, 50% no valor da passagem no transporte interestadual rodoviário, ferroviário e aquaviário.

Sobrevida aumenta e nascimentos diminuem

Para a coordenadora  do Programa de Internação Domiciliar (PID) da Secretaria Estadual de Saúde, Riudete Sousa,  “só agora a sociedade se deu conta de que o mundo está envelhecendo. Há diminuição nos nascimentos e mais sobrevida”.  Ela destaca que a atenção às questões do idoso vem crescendo nos últimos anos, mas não num ritmo capaz de atender à demanda. “É preciso mais rapidez, em especial por parte dos governantes. A  estrutura das cidades tem que mudar. Há cada vez mais atenção  ao idoso, mas ainda faltam incentivos e mais recursos para respaldar os esforços que são feitos”, afirma. No entanto, ela demonstra otimismo. Participando de um recente congresso internacional de Geriatria e Gerontologia, notou um aumento na preocupação geral com a Terceira Idade. “As universidades estão refazendo suas grades curriculares para se adequar a essa realidade futura. O tema está sendo inserido também nos cursos de especialização”, destaca.

“Até pouco tempo atrás a Gerontologia não entrava nos cursos da área de saúde. Temos pouquíssimos geriatras no Rio Grande do Norte, cerca de 15 para 3 milhões de habitantes. No Brasil,  o déficit é de 80 mil profissionais”, alerta. “Assisti a uma palestra sobre turismo e notei que o setor está vendo o potencial que o idoso representa. Há cada vez mais pacotes voltados para o segmento”, disse Riudete, formada em Psicologia.

Na Sesap, o PID é um exemplo de política pública voltada principalmente para a Terceira Idade. De cada dez pacientes atendidos, oito são idosos. O objetivo é desospitalizar o atendimento, promovendo a assistência integral e humanizada em domicílio. Quanto mais tempo o idoso passa no hospital, mais aparecem infecções e problemas decorrentes da internação prolongada. “Com o programa, a saída do hospital tem que ser autorizada pela família e um cuidador precisa ser identificado. A equipe multidisciplinar faz visitas médicas semanais durante até 60 dias e, após a alta, o paciente vai para a rede de atenção básica.

“A primeira paciente que atendemos estava há seis meses no Walfredo, porque a família não sabia cuidar dela. Foi preciso a intervenção da nossa equipe, com médico e psicólogo conscientizando os familiares de que era melhor ela ir para casa. Em duas semanas, a idosa já estava andando e se alimentando sozinha”, conta. Desde 2005, o PID já atendeu a mais de 7 mil pacientes, 80% deles idosos. Hoje, a meta é de 1.800 por ano.

E a vivência com o Programa levou a outra ação importante: os cursos de formação de cuidadores. “As pessoas que cuidam dos idosos geralmente não têm noção nem de como mudá-los de posição na cama, o que acaba causando feridas chamadas úlceras de pressão. A maioria não sabe alimentá-los da forma correta. Nem os profissionais eram capacitados. Os cursos são voltados aos cuidadores, agentes comunitários de saúde, funcionários de abrigos de longa permanência e à comunidade em geral”, ressalta. Os cursos tiveram início em 2006 e acontecem em Natal e Parnamirim, já tendo capacitado mais de 2 mil pessoas. São quatro turmas por semestre. Segundo Riudete, a Sesap investiu R$ 14 milhões, desde 2005, na assistência ao idoso.

Hotel geriátrico para idosos que têm dinheiro

Antônia Marques da Silva, 86,  e Josefina de Aguilar Santos, 85. Idades  semelhantes,  condições  inteiramente diferentes. Enquanto a primeira mora numa humilde casinha no Passo da Pátria e precisa, além de tudo, se esforçar para cuidar do companheiro, dona Josefina vive com todo o conforto no Paço das Palmeiras, hotel geriátrico de Lagoa Nova. Exemplos concretos de como a situação financeira influencia diretamente na qualidade de vida do idoso.

Viúva do primeiro casamento, dona Antônia tem três filhos e mora com Francisco Jorge da Silva, 84,  que aparenta total dependência da companheira e demonstra. “Quando precisamos de atendimento médico, vamos até o Hospital dos Pescadores, nas  Rocas. Se tivermos que ir ao Walfredo, só andando até o viaduto do Baldo e pegando um ônibus. Tenho problemas de vista, sofro de osteoporose e já quebrei a perna caindo da pontezinha”, diz. O casal vive das aposentadorias e conta com a ajuda dos filhos e sobrinhos.

O caso de Josefina de Aguilar Santos é bem diferente. Após ficar viúva, passou a morar com o filho único e se sentia muito isolada, sem companhia. Sem querer ser uma “pedra no sapato” do filho  nem sofrer com a solidão, decidiu pesquisar e descobriu opções de hotéis geriátricos.  “Aqui tenho férias por tempo indeterminado. Meu filho ficou em dúvida no começo, mas estou muito bem, tenho toda a atenção e minhas necessidades são atendidas”, garante. 

Vai explodir

Com 27 anos de profissão, o geriatra João Mariano Sepúlveda reforça as cobranças por mais políticas públicas voltadas para o idoso. “Como tudo no Brasil, vamos começar tarde. Isso vai explodir nos próximos anos. Mesmo que nas próximas  duas décadas nós intensifiquemos a formação de profissionais para cuidar deles, mesmo assim não será suficiente”, alerta, acrescentando que o Brasil (e  o RN) têm pouquíssimos geriatras, área considerada pouco atraente. “As ações são casuais, absolutamente incipientes e destinadas a apagar os incêndios que já existem. Não são pró-ativas. Os centros de saúde são ficção, centros de convivência só existem devido a ações isoladas, a formação dos profissionais de saúde não é adequada”.

O especialista lembra que os idosos representam um “mercado fantástico”, não devendo ser encarados como peso, e sim como solução. “Ele é um provedor e acaba sustentando muita gente com sua  aposentadoria, que deveria  ser usada  por ele mesmo. O idoso precisa gastar uma fortuna com medicamento e não encontra fisioterapeuta e atendimento clínico bom, a não ser que pague por isso”, constata. O geriatra propõe um sistema de aposentadoria parcial, em que o profissional de Terceira Idade tenha sua carga horária progressivamente reduzida, mas continue trabalhando. Afinal, são arquivos vivos, fontes de experiência para os mais novos.

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