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Poesias, sim, banal, jamais

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Carmen Vasconcelos – Poetisa

Assisti a um filme muito lindo! Esse começo lembrou-me Mário Quintana ou ele é que me lembrou este texto? Só sei que estará cheio dele, mesmo que dele não vá falar, pressinto antes de escrever. Faço paráfrase de um dos poemas que mais gosto: “Eu queria trazer-te uns versos muito lindos…   

Bem, eu assisti a um filme muito lindo, chamado “Poesia”. Nesse filme, a protagonista queria escrever poesia. Queria achar a poesia. E imaginava procurá-la no sublime. Onde encontrar a poesia? Segundo um poeta que no filme se propõe a ensinar como escrever poesia, pode-se achá-la até na pia de louça. E é. No filme, a poesia é onipresente. Não está só nas flores, na alegria, como esperava a protagonista. Aliás, ela a encontrou na muita tristeza. A poesia está. E é tudo.

Nas coisas mais complexas do mundo, nas coisas mais simples do mundo, desde que haja beleza, que é a experiência do sublime. Revelar a poesia das coisas complexas é revelar a tramada simplicidade que as elabora. Pois no fim das contas, tudo é simples. Tudo vem do simples, como vem tudo do barro, da água, do ar e do fogo.

Agora, revelar a poesia das coisas simples é uma arte mais elevada. Porque a poesia existe nas coisas simples, mas não quando essas coisas se banalizam. E não é todo o mundo que, ao escrever o simples, tem o dom de cuidar da simplicidade para que ela não se torne banal. Há que ter muita finura para fazer isso. Porque há sim, um lugar onde não há poesia, onde se excetua a onipresença da poesia, e esse lugar é a banalidade.     

Poesia está em não confundir simplicidade com banalidade. Em falar de coisas simples sem torná-las banais. Quem torna banais as coisas simples peca contra a poesia e contra as coisas. Nada se cria, nada se transforma. Não há pecado mais estéril, não há palavras mais secas.

O filme “Poesia” me fez querer escrever este texto e eu lembrei imediatamente de Quintana e lembrei do poema “Eu queria trazer-te uns versos”, mas só quando fui reler o poema encontrei estas palavras, que casam tanto com o que eu queria dizer: Suas palavras/seriam as mais simples do mundo,/porém não sei que luz as iluminaria/que terias de fechar os olhos para as ouvir…”. É a luz. É essa luz meio indefinível que revela nas coisas simples o estado de poesia. E Quintana sabe iluminar como pouquíssimos as coisas simples, tornando-as versos raros, raríssimos. Quem já leu o poeta Demétrio Vieira Diniz sabe do que falo. Ele também ilumina as palavras e as coisas simples para torná-las  poesia. Sutil e certeira poesia. Em verso e prosa.

Muitos dos poemas orientais também percorrem essas veredas. Sendo “Poesia” um filme oriental, a gente assiste e fica cheio de versos sobre cotidiano feitos com uma profundidade entontecedora. É como olhar abismos atravessando aparências.

A poesia está. Não nas palavras que banalizam coisas, mas nas que preservam a simplicidade das coisas. Está. Nas encantações lunares de Quintana. Nos “homens e mulheres empoeirados de destino errático e fala arrevesada…” de Demétrio, que uma vez iluminou palavras com raios de sutileza, e deu a um livro repleto de poesia o título “Um homem sem poesia”. A poesia está. No mundo. Habitando simplicidades.

*“Poesia”, filme de Chang-dong Lee, Coréia do Sul.

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