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A distância entre a teoria e a prática

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O SUS como o próprio nome indica é um sistema. Trata de procedimentos, processos, a fim de organizar e ditar regras para o funcionamento da máquina estatal relacionada à saúde. Um especialista em SUS, no entanto, lança mão de palavras mais afeitas à poesia para falar sobre o Sistema Único de Saúde: “sonho”, “utopia”, “conquista” são palavras usualmente colocadas ao se tentar explicar a gênese do SUS. No cotidiano das secretarias de saúde, gestores são responsáveis por concretizar a poesia expressa na teoria. É um desafio. Tanto, que a gestão do SUS é uma das áreas mais problemáticas da administração pública.

Sintomas dessas dificuldades estão presentes todos os dias nas manchetes dos jornais e nas portas dos hospitais. Há problemas de toda ordem: grandes filas, desabastecimento de medicamentos e insumos, médicos e demais profissionais de saúde em faltas, vagas insuficientes para unidades de terapia intensiva. Ao mesmo tempo, a saúde consome uma das maiores somas de recursos anualmente. Mesmo assim, não é incomum encontrar quem diagnostique um subfinanciamento no setor. Há um problema de gestão ou falta dinheiro?
Ana Tânia Sampaio é professora da UFRN e especialista em saúde
Segundo a sanitarista e doutora em saúde pública, Ana Tânia Sampaio, ex-secretária de Saúde de Natal e adjunta no Governo do Estado, os dois problemas são reais. Existe o subfinanciamento. Contudo, e na mesma medida, os gestores de saúde ainda não conseguiram harmonizar os objetivos do SUS com os procedimentos necessários para viabilizá-lo. Há um abismo no meio do caminho. O Sistema Único de Saúde tropeça todos os dias em procedimentos insuficientes para tirar do papel todos os princípios de Justiça e eqüidade que ele prega.

Os princípios doutrinários do SUS são a integralidade, universalidade e a eqüidade. Esses são o objetivos. Em suma: atendimento integral das necessidades de todos os cidadãos com resolutividade. Além disso, o atendimento para quem mais precisa, um atendimento “desigual na medida das desigualdades”, com Justiça. Todos esses princípios são únicos no mundo. Em nenhum outro país, há um sistema de saúde tão abrangente. “Até mesmo um turista, um estrangeiro, tem direito à saúde no Brasil”, acrescenta Ana Tânia Sampaio.

Para colocar isso em prática, é preciso dar efetividade a uma série de princípios organizativos. Aqui estamos no terreno do “método”. A descentralização dos recursos, a regionalização e o controle social são os mais importantes princípios organizativos. Como existem fragilidades no cumprimento desses princípios, o SUS apresenta os problemas tão conhecidos por todos.

Descentralizar os recursos e regionalizar o atendimento é uma das saídas para dar resolutividade. Com a descentralização, o dinheiro é administrado localmente. Já a regionalização reúne municípios em “regiões de saúde”. Exemplo: um município de pequeno porte não tem como manter um serviço de ortopedia. Contudo, cinco ou seis juntos podem prover esse atendimento, resolvendo as demandas na região e impedindo o fluxo de pacientes para a capital, onde filas se amontoam nos maiores hospitais.

Por outro lado, o controle social é uma ferramenta indispensável para o SUS, como para toda a Gestão Pública posterior à Constituição de 1988. Ao mesmo tempo, é um dos instrumentos mais frágeis. “Há conselhos de saúde que viram fóruns de debates de políticas partidárias. Isso despolitiza a política de saúde, porque o SUS não tem partido, ele é para todos. O que temos na maioria das vezes são gestores que desconhecem o SUS e uma população desinformada dos seus direitos”, aponta Ana Tânia.

Subfinanciamento

O SUS é o primeiro sistema de saúde de fato no Brasil. O que havia antes eram instituições de saúde que faziam o trabalho quase em separado do Estado. Na época do Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) só tinha direito à atendimento médico quem tinha previdência. Segundo Ana Tânia Sampaio, isso correspondia se muito a 60% da população. “O Inamps fazia o atendimento médico e o Ministério cuidava da política de prevenção, por exemplo. Era um sistema dicotomizado”, aponta.

Com o SUS, o que era para 60% da população passou a ser para todos. O atendimento foi universalizado, enquanto que o financiamento não acompanhou a demanda. “A legislação é falha ao fixar percentuais de investimento”, analisa a sanitarista. “Temos uma política de financiamento injusta”, complementa. Até mesmo iniciativas como a Emenda 29, que fixa o mínimo de 12% do PIB em investimentos nas esferas de governo, seriam insuficientes. “Muitos municípios e estados estão investindo mais do que isso”, define.

Além disso, uma distorção nos setores que mais recebem recursos drena boa parte do dinheiro na saúde. A atenção básica tem a capacidade de resolver 80% dos problemas apresentados pelos usuários. Como é o “patinho feio” nas secretarias e ministério, os problemas evoluem para os demais níveis de atenção. A média e a alta complexidade consomem a maior parte dos recursos do SUS, o que dificulta a viabilização do sistema

“Um especialista recebe muito mais em dinheiro, por exemplo, do que um médico generalista. Está errado, deveria ser o contrário, porque o generalista vai cuidar do todo”, diz Ana Tânia Sampaio, acrescentando que até mesmo a formação dos médicos causa distorções. “Os profissionais estão sendo formados com base no modelo antigo. Eles são formados para cuidar de uma parte do corpo e não do ser humano. Além disso, são formados para cuidar da doença e não para promover a saúde”.

“A verdade é que Todos usam o SUS”

O tema da Conferência de Saúde deste ano resume bem o sentimento de muitos dos militantes do sistema. Exasperados pelas constantes notícias de ineficiência, os organizadores da Conferência resolveram mostrar o SUS “invisível” nas denúncias de filas, falta de médicos e medicamentos. “O SUS não é somente os corredores lotados. Também há excelência”, reclama Ana Tânia. As conferências estaduais de Saúde serão realizadas nos dias 27, 28 e 29 de setembro.

Existe uma idéia equivocada – e em certo ponto preconceituosa – que o SUS é “para pobre”. Segundo os termos de um preconceito bastante disseminado, os setores com mais poder financeiro poderiam prescindir do Sistema Único de Saúde por pagar um plano de saúde ou um hospital privado. Mas isso não é verdade. O SUS está mais presente no cotidiano dos brasileiros do que muitos imaginam. Produtos cosméticos, alimentos, produtos de limpeza, tudo isso é fiscalizado e aprovado pela Agência Nacional de Saúde. Ora, a Anvisa faz parte do SUS. A vacinação é promovida pelo SUS e o Brasil tem o segundo melhor sistema de imunização do mundo.

Esses são alguns exemplos pouco lembrados. Existem outros. “Atendimento de urgência de problemas cardíacos, cirurgias neurológicas, por exemplo. São procedimentos pagos na rede privada pelo SUS. Mas os pacientes acham que o Sistema Único de Saúde é somente a fila do Walfredo Gurgel, não vêem que esses atendimentos na rede conveniada também são SUS”, diz Ana Tânia.

O Hospital Maria Alice Fernandes é um dos exemplos de estrutura hospitalar bem avaliada na Região Metropolitana de Natal. Tanto o atual secretário de Saúde, Domício Arruda, quanto a ex-secretária-adjunta Ana Tânia Sampaio, são unânimes ao apontar o Maria Alice Fernandes como um exemplo na rede. A própria aparência do Hospital, com corredores limpos e arejados, já demonstra um diferencial. Mas a excelência só foi obtida após uma mudança no perfil do atendimento.

De acordo com o diretor do Hospital, Wilson Cleto, o atendimento no Maria Alice foi organizado após a redefinição do perfil. Antes, o Hospital fazia atendimento em ambulatório, o que está fora das obrigações da alta complexidade. “Somos um hospital de atendimento de média e alta complexidade. Não podemos fazer ambulatório”, diz Cleto. A demanda pelo atendimento básico terá de ser absorvida pelos municípios, a quem compete fazer esse tipo de atendimento.

Bate-papo » Domício Arruda – secretário estadual de Saúde

Quais as principais dificuldades na gestão até agora?

Dificuldade de manutenção regular do abastecimento de insumos e serviços agravada por dívidas pendentes de exercícios anteriores e déficit de pessoal, principalmente na área da enfermagem e algumas especialidades médicas.

O que torna a gestão em saúde particularmente problemática?

O subfinanciamento do setor. De caráter nacional, é traduzido localmente pela inexistência de dotação para investimentos no orçamento estadual para 2011.

Que caminhos pretende seguir para resolver essas dificuldades?

Através da estruturação de oito colegiados gestores regionais para implementação das ações planejadas em consonância com os principais programas anunciados pelo Ministério da Saúde: atenção materno-infantil, rede de urgência/emergência e enfrentamento às drogas, com ênfase ao crack.

Em quanto tempo será possível resolver os principais problemas?

Estamos finalizando um plano plurianual que prevê ações a serem desenvolvidas nos próximos quatro anos, com estabelecimento de metas entre elas as mais importantes são a redução das taxas de mortalidade materna peri-natal e infantil.

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