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O dito pelo não dito

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Valério Mesquita
Escritor

O carnatal corria solto em Natal. Ary Gomes, gay assumido, recebia algumas “amigas” em sua residência, chegadas do Ceará. À noite, todos travestidos rumaram para o corredor da folia. No grupo, destacava-se “uma menina” que beirava os dois metros de altura. Cheia de balagandãs ele (a) só queria ser Carmem Miranda. O trio elétrico tocava a marchinha: “Vou sacudir, vou abalar, quando meu amor passar…”. A “menina” pulava na frente da orquestra, quando começou um pega-pra-capar. Houve tiros e Ary, com cuidado no amigo, gritava: “Bicha… A bala! Bicha. A bala!”. No que a outra dizia: “Mulher, eu já tou abalando!”. Só deu conta do perigo quando um projétil passou raspando o turbante da fantasia de Carmem Miranda. Coisas do deslumbrado mundo da fantasia.


02) O dr. Luiz Antônio, ateu juramentado, sempre repetia que da sua cabeça pra cima não acreditava em nada. Um dia faleceu um grande amigo que residia no bairro da Ribeira. Por força da amizade, foi ao velório e ao enterro. Luiz Antônio, bastante gordo, mesmo assim, postou-se a frente e segurou a alça do caixão do compadre que beirava uns cem quilos de peso. O cortejo subia a velha Junqueira Aires, rumo ao cemitério do Alecrim. O famoso médico e escritor, já suado, olhava de lado mas ninguém se candidatava a substituí-lo. Chegaram à Catedral. Missa de corpo presente, recomendações, etc. Abriram o caixão. Muito choro dos parentes. O padre, ao aproximar-se, o dr. Luiz Antônio dos Santos Lima fitou o caixão e disse em tom de oração: “É, meu compadre, até aqui eu lhe trouxe. Daqui pro Alecrim o diabo que o carregue. Você pesa demais.”


03) Venâncio Freitas, irmão do falecido prefeito de Pendências Levanir de Freitas, é assíduo leitor dos meus artigos. Nonato Aranha era comerciante em Jardim de Piranhas. Hora do almoço saiu de fininho e disse ao empregado Cicinho que ia para casa. No caminho preconcebidamente, quebrou a esquina e foi receber uma “promissória” no lupanar local. A luz do cabaré ainda não havia se apagado nele. Sua preferida era Chica Preta, carnuda, ao gosto de Nonato. Terminada a “fricção”, travou-se um áspero diálogo com relação à cotação do mercado. Chica contestou que o pagamento era pouco. Nonato retruca, já impaciente: “Vou deixar o dinheiro aqui em cima da cama”. A mulher bateu o pé e ameaçou: “Se deixar vou levar essa merda na sua mercearia!”. Nonato colocou a grana lá e se mandou. Ao voltar de casa para o seu comércio, o empregado Cicinho foi diligente no recado: “Seu Nonato, Chica Preta deixou esse dinheiro para lhe entregar”. Aí Nonato velho de guerra, não titubeou: “Ô nega honesta pagadeira. Emprestei essa importância de manhã e ela já veio pagar!”.


04) Sezildo Câmara foi líder estudantil no Atheneu nos idos 67/68. Estudante rebelde, foi perseguido e preso pelo regime. Anos mais tarde, o seu primo Eduardo Moura se elegeu prefeito de Patu e o nomeou para ser uma espécie de assessor de imprensa da prefeitura. Como não existia rádio em Patu, foi montado um programa que ia ao ar através do serviço de som da Igreja católica, com grande audiência na comunidade. Na primeira viagem do prefeito, ele se esmerou na divulgação: informou o horário do voo, a companhia aérea, o número da poltrona, etc., etc. Dia seguinte, o prefeito telefonou informando que a aeronave sofrera uma pane muito séria entre Recife e Fortaleza. O assessor não perdeu tempo: colocou no ar um dobrado militar e passou a detalhar o fato pela amplificadora. No final do relato, já emocionado dizia: “O nosso prefeito se comportou como um verdadeiro herói; em momento algum demonstrou medo; suava muito; tremia demais; sua face empalideceu, teve náuseas, mas não chegou a chorar, apesar de sentir nó na garganta. Finalmente quero dizer que a palavra medo não existe no vocabulário do nosso prefeito.” Não precisa dizer que o relato dúbio e hipócrita do assessor provocou na cidade incontornável crise política.

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