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A Sabedoria do Matuto Nordestino

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Gutenberg Costa – Vice pte. da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore

Que me desculpem as duas universidades e as duas faculdades que estudei, aliais, ainda estudo em uma, mas, sabedoria e inteligência maior do que a encontrada em minhas viagens entre aqueles chamados matutos sertanejos, não vi nas ditas instituições educacionais. Há um provérbio Persa que diz a máxima: “Conhece-se o coração do homem pelo que ele faz e sua sabedoria pelo que diz”. Faço uso da comparação do pedagogo e filosófico Ruben Alves, que afirmou em uma de suas belas crônicas, com sua sábia ironia que ás vezes o excesso de erudição e estudo, só deseduca e pode deixar aquele que é detentor de diplomas muito mais ignorante do que o homem iletrado do povo…

Há uma vasta bibliografia sobre o tema ‘sabedoria’. O escritor Martin Claret, é um deles com duas obras sobre a temática: ‘A Essência da Sabedoria dos grandes gênios de todos os Tempos’ e ‘O Poder da Sabedoria’. Desta última citamos uma pérola filosófica de Anaxoras: “Prefiro uma gota de sabedoria à toneladas de riquezas”. O mestre Lao-Tsé, já afirmara em seu antiguíssimo livro-evangelho, o seguinte: “O sábio atinge a sabedoria sem erudição… nunca se deixa iludir por deslumbrantes perspectivas”. E o crítico literário americano Harold Bloom, buscou reflexões em dezenas de escritores e filósofos para escrever a sua obra de mais de trezentas páginas intitulada: “Onde encontrar a Sabedoria?”. Do mesmo modo existem incontáveis livros sobre a inteligência. A doutoranda Regina Moraes, publicou ‘32 Tipos de Inteligência’. E como logo percebemos no título, há variadas maneiras de se encontrar inteligências. O doutor Augusto Cury transformou-se num autor Best Seller, com seu ‘O Código da Inteligência’, como também já se tornara o famoso doutor Daniel Goleman, com o seu ‘Inteligência Emocional’. Particularmente fico como diz o sábio e inteligente matuto, ‘de orelhas em pé’, quando me apresentam alguém anunciando-o como uma pessoa ‘deveras inteligente’. Confesso que na maioria das vezes saio de tal conversa, um tanto decepcionado. Quem sabe não seja o seu excesso de saber erudito, como diria o genial Ruben Alves…

Mas sabido e inteligente mesmo é aquele matuto que não freqüentou universidades e nos dá verdadeiras lições, quando o encontramos cara a cara por este sertão nordestino. Suas tiradas filosóficas, suas comparações geniais em meio a sua pura simplicidade no viver. Sabedoria usou a nossa UFRN, que em vida outorgou o título de ‘Doutor Honores Causa’ ao inteligentíssimo saudoso poeta Patativa do Assaré. Em minhas andanças por este Nordeste, tenho me deparado com um alto grau de inteligência nos tipos populares, poetas sertanejos, raizeiros, feirantes e rezadeiras, de fazer inveja ao psicólogo e PhD Goleman. Burrice seria duvidar da sabença popular desse povo. E disto não duvidaram Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Mário Souto Maior e tantos outros que sabiamente beberam na fonte inteligente da cultura popular nordestina. O saudoso amigo padre e escritor cearense Antônio Vieira, que em vida ficou conhecido por sua inteligente defesa ecológica ao jumento, deixou registrado alguns causos com os sábios matutos em seu livro ‘Sertão Brabo’, como o do sertanejo que comparou o inverno fraco de 1966, ao Banco do Brasil: “Não fechava as suas portas, mas não emprestava dinheiro”. Outro lhe disse o porquê não acreditava na propaganda milagrosa da SUDENE: “É como peito de homem, só serve para enfeite!”. E outro lhe teria desabafado: “Padre, nós cunversa pro riba do assunto… Eu sei aonde as bestas rincham… de besta a gente só tem o jeito de andá… Mais a gente também sabe e vê aonde istá o errado di vocêis… A gente bota a viola nu bisaco e fica só arreparando…”. E é verdade, o matuto inteligentemente fica só observando as nossas besteiras aprendidas nas leituras oficiais. E se não discorda, é para os letrados doutores ficarem achando que é o matuto, o ignorante na história.

Não pergunte a matuto, sem saber a resposta. Eu chegando na cidade do Assu e dando de cara na feira com um raizeiro, lhe indago o seguinte: O senhor tem remédio para cavalo velho? E o conterrâneo de meu inesquecível compadre de fogueira Celso da Silveira, me responde filosoficamente em cima da bucha: “Doutor remédio mesmo pra cavalo veio, dizem que é o capim novo. Mas pra mim, o cavalo tem que ter dente, se não ele nem mastiga!”.

Uma vez um bodegueiro de Pendências, vendo-me preocupado com o horário do fechamento de seu ponto, me tranqüilizou com a genial comparação: “Aqui é aberto ‘direto’. Aqui é como enterro de crente, sai direto com o defunto e não vai parando na igreja não”. Já outro muito inteligente é o poeta amigo Zé Saldanha, que pelo telefone, voz muito rouca, me contou outro dia suas agruras com uma danada de uma gripe: “ Tô aquartelado, dormindo com as galinhas, aperriado que só siri dentro duma lata, já tomei tudo o que é de cachete e não acaba com esse difluxo…”. traduzindo este recado sertanejo do velho Zé Saldanha a minha filha Sarah, que é universitária, a mesma achou que o poeta estava falando errado, ao que eu saí veemente em defesa deste – Não minha filha, ele fala como meus bisavós falavam com o português arcaico, usado por Camões! E é preciso muita inteligência para ouvir e entender o sábio homem do povo. O resto fica para boi dormir ou encher folhas de teses de doutorado.

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