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Valorização e qualificação devem ser metas prioritárias

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Margareth Grilo – repórter especial

Com um orçamento previsto da ordem de 2,1 bilhões para 2012, a Prefeitura de Natal já comprometeu, no primeiro quadrimestre de 2012, 52,69% da receita com o pagamento da folha dos 21 mil servidores, distribuídos em 31 secretarias e órgãos municipais. Está a 0,5% de entrar no limite legal da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) com gastos de pessoal. Por mês, o custeio com os servidores é da ordem de R$ 29,9 milhões (maio/2012). O aperto financeiro gera um problema: a escassez de recursos para investimentos.
O funcionalismo público precisa de capacidade de atendimento com qualidade; evolução na carreira; incorporação de novas tecnologias no serviço público e salário decente
Quase sem investimentos na máquina administrativa, o serviço público caminha a passos lentos, em termos de modernização. Nas secretarias, usuários reclamam de filas e atendimento insuficiente; servidores apontam a falta de qualificação e cobram melhores condições de trabalho. Em uníssono, os sindicalistas afirmam: o funcionalismo público quer entre outras coisas: capacidade de atendimento com qualidade; evolução na carreira; incorporação de novas tecnologias no serviço público e salário decente. 

O funcionalismo público é o último tema da série de reportagem “Os desafios da nova administração municipal”, que se iniciou no último domingo, 01. Para o economista e chefe do escritório do IBGE, no Rio Grande do Norte, Aldemir Freire, o peso da LRF será maior na próxima gestão. “Vejo esse problema do limite com gasto de pessoal se tornando mais sério na próxima administração e possivelmente será uma importante fonte de desgaste para o futuro gestor municipal”, destacou Freire.

Ele lembrou que a gestão anterior encerrou o mandato à frente da Prefeitura de Natal com as despesas de pessoal girando em torno de 42% da Receita Corrente Líquida (RCL) do Município. Esse percentual era bastante inferior, segundo ele, aos limites estabelecidos pela LRF (para o município o Limite Prudencial é de 51,3% e o Limite Legal, de 54%). Na atual gestão as receitas municipais, citou o economista, cresceram 18% até dezembro de 2011 e as despesas com pessoal aumentaram 51%. O município fechou o ano com 53,6% de sua RCL comprometida com gastos de pessoal.

“Esse percentual hoje”, lembra Aldemir Freire, “está acima do limite prudencial e já batendo no limite máximo. O futuro gestor não terá a mesma margem de manobra que a atual gestão teve para conceder aumentos de salários para o funcionalismo sem comprometer os limites legais. Por isso, vejo que esse será um tema mais espinhoso para a próxima gestão do que para a atual”. Para Aldemir “é preciso tampar os ralos por onde escorre uma parte expressiva dos gastos públicos”.

Segundo ele, esses ralos estão presentes, “tanto na ineficiência, quanto nos desvios praticados contra o erário, como vimos na recente investigação do Ministério Público”. Freire destaca a necessidade de um cuidado extremo nos setores de compras e licitações, bem como na gestão dos contratos, do patrimônio e dos estoques de bens. “Existência de secretárias desnecessárias e também de cargos comissionados em excesso podem ser focos de desperdícios”, avisa.

A seu ver, o fortalecimento da  Controladoria Geral do Município e o estabelecimento de todas as compras, através de pregão eletrônico, podem ser instrumentos para contenção de gastos. “Mas é importante que a capacidade de gerar receitas e captar recursos de terceiros por parte do município seja melhorada”, alerta o economista.

O presidente da Federação dos Servidores Públicos Municipais do RN, Paulo Bandeira, concorda e diz que o próximo gestor deve se preocupar em evitar desperdícios e destinar recursos para investimentos em três campos: gestão de pessoas; infraestrutura da máquina administrativa e qualificação do servidor público municipal. “É preciso pôr fim às terceirizações e garantir um quadro efetivo de servidores qualificados e prezar por uma gestão de qualidade”, afirmou Bandeira. A seu ver, o poder público municipal precisa, na próxima gestão, mudar a forma de lidar com os funcionários públicos.

Máquina precisa ser modernizada

Uma máquina administrativa distante da modernização preocupa os sindicalistas. “Hoje, para retirar o contracheque”, afirma a coordenadora geral do Sindicato dos Trabalhadores da Educação do RN (Sinte), Fátima Cardoso, “o servidor precisa ir na Segelm [Secretaria de Administração e Gestão de Pessoas], enfrenta filas enormes e horas de espera. Não há um sistema virtual que facilite esse acesso. O que existe é falta de capacidade de modernizar”.

Ela defende a otimização e modernização dos serviços para fazer a máquina funcionar, com eficiência e eficácia, e reduzir o nível de estresse do servidor e de quem procura o serviço. “Se hoje o serviço não funciona, não é porque o servidor é ruim. É por causa do engessamento da administração. É porque  o gestor não pensa o serviço público”, resume. Fátima Cardoso diz ainda que parte da ineficiência deve-se à falta de qualificação do servidor. “Não se sabe onde a prefeitura empregou os recursos da Educação. O que sabemos é que houve uma perda qualitativa na formação”, afirmou a professora. Este ano, segundo ela, a SME só realizou a primeira etapa da Jornada Pedagógica. “Resgatar essa capacitação, essa qualificação vai ser um desafio grande”, pontuou a professora.

“Segundo ela, o trabalho do servidor da forma como está sendo desenvolvido “tem cansado, porque ele não tem tido uma formação continuada; não tem tido humanamente momentos onde se reconheça como pessoa para atender o outro com qualidade”. Ela diz que o grande desafio é o gestor sentir que, mais do que ter um quadro de servidor, precisa ter um servidor satisfeito.

O secretário do Sindicato dos Agentes de Saúde do RN (Sindas-RN), Cosmo Mariz, diz que a instituição de programas voltados para meio ambiente do trabalho e para a saúde dos servidores, tendo em vista que 15% por cento dos afastamentos do trabalho é decorrente de doenças funcionais, é fundamental. Ele defende a virtualização dos processos administrativos por acreditar que além de  celeridade no tramite de processos administrativos, esse processo traz  economicidade.

O presidente do Sindicato dos Médicos do RN (Sinmed), Geraldo Ferreira, defende o treinamento na área de relações humanas para  humanizar o atendimento e para romper com “essa marca de incapacidade do serviço público”. Há a necessidade de uma gestão moderna, eficiente em cima de metas.

Para MP, desafio é regularizar repasses

Para o próximo gestor, os sindicalistas deixam um recado claro: é preciso, além de reestruturar a rede de serviços e resgatar a motivação dos servidores. Segundo os representantes sindicais, os servidores estão desmotivados porque não encontram boas condições de trabalho. “Na Educação”, disse Fátima Cardoso,  “tem muito professor doente, muita licença médica aberta”.

Segundo dados do Instituto de Previdência de Natal (NatalPrev) um total de 512 professores estão licenciados, além de outros 100 servidores. “O secretário atual chega a reclamar e dizer que vai pedir rigor à Junta Médica, mas é preciso entender que é a ausência de boas condições de trabalho que provoca essa situação”, enfatizou a sindicalista. Segundo ela, não apenas professores, mas outros servidores não gozam das licenças legais a que têm direito.

“Essas licenças estão represadas e serão uma demanda que o novo gestor terá que operar, sob pena de as doenças se prolongarem por falta do descanso que o trabalho requer e de continuarem as licenças médicas constantes”, alertou. A opinião do presidente da Federação dos Servidores Públicos Municipais do RN, Paulo Bandeira não é diferente. “As condições de trabalho são desumanas, em todas as áreas de atuação da prefeitura, da saúde, educação à limpeza pública e reverter isso é um desafio para o novo gestor”, afirmou Bandeira.

“Em muitas unidades”, reforçou a sindicalista Michely de Oliveira,  “os servidores trabalham sem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Na Guarda Municipal, os servidores chegam a comprar o fardamento”. O presidente do Sinmed, Geraldo Ferreira,  diz que o servidor “não pode se envergonhar do serviço que está prestando, como vem acontecendo. Ele não pode chegar na rede pública e não ter um tensiômetro para medir a pressão”, enfatizou o médico. Ele salientou que o servidor quer condição de evoluir na carreira e de prestar o atendimento em qualquer unidade “de acordo com a evolução, como a sociedade requer, como a ciência e a tecnologia permitem”.

Valorização salarial também é reivindicada

Apesar da implantação do Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos (PCCV) os servidores reivindicam valorização salarial. Isso porque, segundo a presidente do Sindicato dos Servidores da Saúde do RN (Sindsaúde), Sônia Godeiro, é preciso corrigir o plano que, segundo ela, “foi bom para médicos e profissionais de nível superior e técnicos de nível médio, mas os que foram contratados como auxiliares de enfermagem, de laboratório e de serviços gerais foram injustiçados”.

Os servidores contratados como auxiliares, segundo a sindicalista, ficaram com seus salários congelados. “Tem que readequar os planos, corrigir essas distorções”, afirmou Sônia. Os sindicalistas afirmam que “a correção salarial não foi suficiente para recompor o poder aquisitivo, o poder de compra do servidor, porque não veio acompanhada de ganho real”. Os sindicalistas reivindicam o cumprimento da lei da data-base, que evita o achatamento do plano. 

No caso da Educação, pelo Plano Nacional de Educação (meta 17), em seis anos, a categoria deverá estar recebendo salários compatíveis á média nacional, em torno de R$ 3.000. Hoje, um professor da rede municipal de ensino recebe, em média, R$ 1.400,00. “É preciso garantir a atualização das matrizes salariais previstas no Plano de Cargos e Salários, e assegurar a reposição da inflação na data-base das categorias”, complementou o presidente interino do Sindicato dos Servidores Públicos de Natal (Sinsenat), Roberto Linhares.

Linhares alerta que caberá ao novo governo municipal implantar uma política de qualificação e valorização do servidor público. Outro item que precisa ser visto, diz Sônia, é o pagamento de direitos funcionais. Direitos legais, como o terço de férias, adicional de insalubridade e noturno não estão sendo pagos. “Esses direitos precisam ser pagos e de forma retroativa”, afirmou. Ela afirma que deve ser prioridade ampliar investimento para remunerar melhor o servidor.

Curitiba tem projeto pioneiro para servidores

Desde 2005, a Prefeitura de Curitiba (PR) desenvolve o projeto “Ação, Transformação e Humanização na Prática de Servidores Públicos”. A iniciativa se propõe a minimizar, gradativamente, os impactos decorrentes dos atendimentos diários, na vida e na rotina do servidor; e a garantir a excelência na qualidade dos serviços prestados à população. É um trabalho de formação continuada para os servidores que acontece em 15 unidades de atendimento.

O projeto reúne os grupos de profissionais de cada serviço num único objetivo: a construção de uma relação de comprometimento com o trabalho e com os resultados. Utilizando a técnica do psicodrama, o grupo é levado a refletir que o trabalhador “que faz a tarefa” é quem melhor pode identificar como fazê-la com maior competência.

A prefeitura anuncia alguns resultados: integração das equipes; ética e manejo em relação à população atendida; sistematização das ações; construção de procedimentos necessários para o melhor desempenho do papel de educador social; limite do papel profissional e treinamento da assertividade para o bom desempenho das funções e  conscientização da necessidade de fundamentação teórica e prática pra o trabalho com grupos (famílias e pacientes) e reordenamento dos papéis das equipes.

Como funciona o serviço público municipal

Funcionário público

O Município de Natal adota o regime estatutário para o servidor da administração direta e das autarquias, instituindo planos de carreira e salarial para o servidor. Atualmente, 21 mil servidores estão lotados em 31 secretarias e órgãos do governo municipal. Essa força de trabalho custa ao erário municipal R$ 29,9 milhões mensais, de acordo com o valor global da folha paga em maio/2012, publicada no Portal da Transparência da prefeitura.

Carreira

A atual gestão implantou, gradualmente, em três etapas, o Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos (PCCV) dos servidores municipais, que exigiu um incremento na folha da ordem de R$ 7,5 milhões ao mês. Os sindicatos reclamam a correção do PCCV em dois pontos: para atualizar a matriz salarial de servidores contratados como auxiliares de enfermagem, de laboratório e de serviços gerais, que tiveram seus salários congelados, e para revisar o tempo fixado para a mudança de nível que, pelo plano, deve ser feita a cada oito anos.

Vantagens

Entre as vantagens estão a estabilidade, a possibilidade de progressão de nível e benefícios como direito a férias-prêmio de seis meses, após cada decênio de efetivo exercício; licença prêmio; férias remuneradas; e afastamento remunerado para cursos fixados no Estatuto do Servidor Público do Município de Natal.

Custeio

A Prefeitura de Natal tem hoje uma folha bruta de R$ 44 milhões, o que compromete 52,69% da receita. Isso significa que o Município está a menos de 0,5% de atingir o limite legal da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em gastos com recursos humanos. O aperto financeiro levou o Executivo a anunciar que vai reduzir as despesas de pessoal em até 2%. O corte e desligamento de funcionários devem atingir todas as secretarias municipais. Outra estratégia anunciada é a redução da inadimplência do IPTU, cuja inadimplência é superior a 50% na zona norte da cidade.

Greves

Depois de inúmeras greves e mobilizações, os servidores  municipais decidiram ir à Justiça para verem cumprida a lei da data-base, prevista para lhes proporcionar ajuste salarial de 6,08%, que deveria ter sido feito no mês de março de 2012.  No mês de abril, diversas categorias em greve, entre elas a da Educação, montaram barracas em frente à prefeitura, apoiadas pelo Sinsenat, Sindas, Sindsaude e dos Odontólogos.

Capacitação

Cabe à Escola Municipal de Gestão Pública (Egesp), criada em 2009, promover a valorização do servidor público, por meio da qualificação continuada e de acordo com as políticas de capacitação de pessoal definidas pela Segelm. A Escola é mantida com recursos do Fundo de Treinamento, Manutenção e Pesquisa Administrativa do Município e funciona no Centro Municipal de Referência em Educação Aluizio Alves (Cemure). De 2009 a 2011, 2.185 servidores municipais, lotados em diversas secretarias, foram capacitados, segundo dados da prefeitura.

Bate-papo

Aldemir Freire, economista e chefe do escritório do IBGE no Rio Grande do Norte

“É fundamental a profissionalização do serviço público”

A seu ver, que áreas devem ser alvo de modernização?

A integração dos diferentes setores da prefeitura é fundamental. Trabalhar com uma perspectiva de longo prazo, com elaboração e execução de projetos estruturantes. Abrir a gestão para uma maior participação da população e dos servidores na definição das políticas públicas e das prioridades de gestão. Informatizar e centralizar as compras e os contratos de maior valor. Fazer avaliação constante da qualidade dos serviços prestados (sobretudo na questão de saúde, educação e serviços urbanos). Tudo isso representará mudanças que poderão melhorar a eficiência e a eficácia do poder público municipal.

Que políticas de valorização do funcionalismo podem e devem ser implementadas?

É fundamental a profissionalização do serviço público. Isso significa diminuir a possibilidade dos cargos comissionados serem ocupados por pessoas estranhas ao quadro do funcionalismo municipal, cujo único mérito para indicação são as relações políticas. Valorizar os servidores é permitir que os mesmos assumam de forma cada vez mais intensa os cargos chaves da gestão municipal. Mas também é preciso que eles tenham plano de carreira, salários condizentes e boas condições de trabalho.

O senhor diria que o serviço público municipal tem eficiência?

Não quero dizer que todo o setor público do município seja ineficiente. Como em todas as instâncias, públicas ou privadas, a eficiência varia muito de setor para setor. Às vezes até mesmo entre órgãos de um mesmo setor. Há ilhas de excelências na gestão municipal, mas também há muitos espaços onde a qualidade do serviço prestado à população deixa muito a desejar.

Como cidadão, como gostaria que o novo gestor tratasse a cidade?

Em primeiro lugar gostaria que não houvesse desvio de dinheiro público para o bolso de particulares. Depois, gostaria de ver uma gestão ágil, capaz de resolver os problemas da cidade de forma eficiente e com relativa rapidez. Que a população tivesse escolas e postos de saúde de qualidade. Que nossas praias estivessem bem cuidadas, que a cidade estivesse sempre limpa, que a gestão possuísse projetos de longo prazo para investimentos. Que o cidadão fosse ouvido nas grandes decisões de políticas públicas. Mas não sou imediatista. Não acho que a próxima gestão consiga fazer tudo isso logo no primeiro ano de governo. Não é para se iludir: o próximo gestor terá muitas dificuldades em seu início de mandato.

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