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Participação social para o desenvolvimento

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O que uma sociedade pode desejar logo após sair de um longo processo de ditadura e autoritarismo? Participação. Poder falar o que antes era obrigatório calar. Esse foi um dos anseios atendidos pela Constituição de 1988 e largamente utilizado nos anos seguintes. Em teoria, o que antes era decidido de forma centralizada, levando em conta somente o desejo da gestão, agora teria de ser compartilhado com setores da sociedade civil organizada. Para isso, foram criados mecanismos de participação social, como os conselhos gestores, as audiências públicas e as conferências nacionais.

Apesar da instituição de vários canais de participação popular, mais de 20 anos depois da guinada democrática da Constituição brasileira a efetividade dessa política ainda é questionável. Um dos principais mecanismos de controle social, os chamados conselhos gestores, por exemplo, tem dificuldades para funcionar a contento na maioria dos municípios brasileiros, principalmente os de pequeno porte. O problema é suficiente para que alguns observadores da gestão e das políticas públicas no Brasil, como o jornalista Cláudio Abramo, não apóiem a idéia. Contudo, ainda há quem defenda o controle social.

Para a professora do Departamento de Políticas Públicas da UFRN, Lindijane de Souza, os canais de participação existem, e são fundamentais para a gestão pública após 1988, mas é necessário aferir a efetividade desses espaços. “Os canais existem, mas é preciso entender a qualidade dessa participação. A sociedade realmente está representada? A participação social é efetiva? Posso dizer que há experiências exitosas, mas também há dificuldades em muitos locais”, explica Lindijane, que coordena atualmente uma pesquisa sobre os conselhos municipais de saúde na Região Metropolitana de Natal.

Além das audiências públicas e das conferências nacionais, os conselhos gestores são os principais instrumentos de participação social em uma gestão. Eles existem para participar da formulação das políticas públicas e para fiscalizar o poder executivo. Em sua composição, obrigatoriamente é necessário haver paridade: 50% de representantes do governo, seja ele municipal, estadual ou federal; e 50% de representantes da sociedade, sem vínculos com o governo em questão. Apenas os temas relacionados a políticas sociais, com repasses de verbas federais, têm a obrigatoriedade de conselhos gestores. Educação, saúde, assistência social são exemplos. Contudo, nada impede os governos estaduais e municipais de criarem conselhos para a defesa de minorias, por exemplo, ou para a gestão da Cultura. E eles criam.

Todas as cidades do Brasil precisam ter os conselhos relacionados a repasses federais, como em saúde ou educação. Isso faz com que a média, segundo dados do IBGE, seja de mais de 4 conselhos por município, o que, no total, supera os 20 mil conselhos gestores em todo o país. No Rio Grande do Norte, essa proporção é ainda maior. O mesmo IBGE mostra que há 853 conselhos gestores no Estado, o que significa cerca de cinco conselhos por município. Os dados são de 2009.

A profusão de canais de controle social não significa necessariamente qualidade nessa participação. Os conselhos têm várias dificuldades. Para a professora Lindijane de Souza, a primeira delas é a falta de capacitação dos gestores. “Há casos em que os conselheiros não detém conhecimento técnico suficiente para atuar de forma adequada. Muitos não sabem qual é o seu papel. Estão ali porque forma designados por alguma entidade e não conseguem exercer o seu papel, que é muito importante”, explica.

Outro ponto comummente alegado é a influência do poder público nas decisões dos conselhos. Teoricamente, o funcionamento do controle social é independente. Mas há desvios. Exemplo: numa cidade pequena, onde não há atividade econômica (emprego) para todos, toda a população depende, mesmo que indiretamente, dos gestores para sobreviver. Como um conselheiro poderá fiscalizar e tomar decisões independentes se ele tem um parente, por exemplo, com emprego na Prefeitura? “Sabemos que isso acontece e dessa forma o Conselho não consegue realizar o seu papel de forma adequada”, lamenta Lindijane.

Para Marcos Dionísio Medeiros, militante do controle social que já passou por diversos conselhos, os gestores públicos por sua vez não dão a importância devida aos conselhos: “Eles não colocam prioridade a sua participação e relegam as cadeiras cativas do poder público ao segundo ou terceiro escalão e não tentam materializar as políticas públicas gestadas nesses conselhos”.

Funcionamento do Conselho de saúde é modelo

Para entender melhor como funcionam os conselhos gestores, tomemos o exemplo do Conselho Estadual de Saúde. Ele tem metade da sua estrutura formada por representantes dos usuários. O restante é de representantes de trabalhadores de saúde e do Governo do Estado. A missão do Conselho é deliberar as políticas públicas e fiscalizar a gestão, principalmente no que diz respeito à execução das ações de saúde. “A parte de contas também é feita, mas para isso há também os órgãos de controle, como o Tribunal de Contas. Somos aqui como a “assembléia legislativa” da saúde”, diz Francisco Canindé dos Santos, presidente do CES/RN.

Entre as principais atividades está a aprovação do planejamento da Secretaria Estadual de Saúde. O Plano Estadual de Saúde e o Plano Plurianual, onde a gestão diz quais as diretrizes e ações para os quatro anos seguintes, são aprovadas no Conselho. Trimestralmente, além disso, as contas da Secretaria passam pelos conselheiros para a aprovação. No fim do ano, as contas anuais passam pelo CES antes de ir para a Assembléia Legislativa. Existem outras atribuições. À época da entrevista, os conselheiros haviam feito uma vistoria no Hospital Alfredo Mesquita, de Macaíba, que havia sido fechado. “Queríamos ver as condições de atendimento”, justifica Canindé.

Os representantes do Conselho são indicados por entidades representativas e associações. O mandato, de dois anos prorrogado por até dois, não pertence aos conselheiros em si, mas às entidades que os indicaram. Essas entidades são: igrejas, associações de portadores de doenças, faculdades e universidades, sindicatos, entre outras representações da sociedade civil organizada.

A remuneração é outro ponto importante. Os conselheiros não recebem salário especificamente pelo trabalho no Conselho. As entidades que o cedem é que bancam o salário dos conselheiros. “Eu represento a Arquidiocese e quem paga o meu salário no fim do mês. Nós não temos remuneração alguma dentro do Estado, embora o orçamento da Secretaria banque o custeio do Conselho Estadual em si. Telefones, mobiliário, o carro à disposição é pago pela Secretaria”, exemplifica.

A questão da estrutura é outro ponto nevrálgico para o setor. Falta equipe técnica especializada adequada, na opinião de Marcos Dionísio. Já Francisco Canindé coloca a questão das diárias. “Quando alguém precisa representar o Conselho, o conselheiro paga todas as despesas do próprio bolso e só depois recebe a compensação, 15 ou 20 dias depois”, mostra.

Bate-papo » Lindijane de Souza – Professora da UFRN

Qual a importância da participação social?

Para que uma política pública seja eficaz, e vários estudos mostram isso, é preciso que exista a participação da sociedade. Sem essa participação, dificilmente haverá eficiência e eficácia. E esse acompanhamento não deve ser somente o de monitorar a execução das políticas, do gasto público, etc. É necessário que a sociedade participe também da formulação das políticas públicas. Então, a partir de 1988 o novo modelo de gestão pública, com participação social, requer um novo modelo de planejamento. Não apenas técnico, mas também político. Político aqui é entendido de uma forma mais ampla. Trata-se da relação do poder público com a sociedade.

Alguns conselhos acabam sendo tutelados pelas prefeituras, governos de Estado, etc?

Sim, acontece. Mas além disso também há casos em que os conselheiros não detém conhecimento técnico suficiente para atuar de forma adequada. Muitos não sabem qual é o seu papel. Estão ali porque forma designados por alguma entidade e não conseguem exercer o seu papel, que é muito importante. O Conselho de Saúde, por exemplo, delibera sobre a política de saúde. Então é um papel importante. Não é simplesmente votar sim ou não, mas contribuir com a política.

Qual o peso desses canais na gestão?

É preciso haver, até mesmo nos menores municípios, uma sociedade mobilizada e participativa. Para que o desenho proposto pela Constituição seja colocado em prática, é preciso uma sociedade ativa, organizada e mobilizada.

Por que a participação ainda é pequena?

Entre os fatores, está a nossa herança política de baixa participação. Nós viemos de um modelo autoritário, de um modelo centralizado no Governo Federal, onde não existia participação no processo de tomada de decisão.

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