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Amizade entre acordes e palavras

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Impossível determinar qual a melhor fase de Vinícius de Moares, todas foram marcantes e marcaram profundamente a música brasileira. Cada uma do seu jeito, cada qual com suas características. Mas na última década de vida do poetinha, a partir de 1970 até sua morte em oitenta, a parceria com Toquinho se revela entre as mais produtivas e intensas. Juntos, Vinicius e Toquinho, 67, gravaram quase duas dezenas de discos e deram vida a pelo menos seis dezenas de composições. A lista inclui sucessos eternos como “A tonga da mironga do Kabulete”, “Tarde em Itapoã”, “Pela luz dos olhos teus” e “Carta ao Tom 74” escrita durante passagem da dupla por Natal em 1974. Clássicos infantis registrados nos discos “Arca de Noé” 1 e 2 como “O Pato” e “O filho que eu quero ter” também fazem parte dessa relação. E ninguém melhor para falar sobre a parceria se não o próprio Toquinho, confira entrevista exclusiva concedida ao VIVER:

Você está na lista dos principais parceiros de Vinícius. O que logo vem à cabeça quando se lembra dele? Do que sente falta?

Incrível, mas do que mais sinto falta é do Vinicius amigo, dos papos descontraídos, das brincadeiras nas viagens, das discussões banais, de seu humor inteligente, enfim, do Vinicius solto e livre para curtir a vida simplesmente.
Toquinho relembra momentos marcantes da convivência, amizade e da rica parceria com Vinícius de Moraes
Qual o principal ensinamento ele deixou para você?

Se tivesse que definir Vinicius numa palavra, seria: generosidade. Admirava sua afinidade com as pessoas simples, apesar de toda sua cultura e sabedoria. Diante de um pescador, ele dizia: “Não sei nada da vida”.

Como explicar a imortalidade da música dele (de vocês)?

Antes de trabalhar com Vinicius eu já fazia uma música simples, harmoniosa, agradável ao ouvido. Quando comecei a compor com ele, essa característica se acentuou, porque Vinicius não tinha medo do “lugar comum”. Ele tinha um ouvido interno muito aguçado. Muitas vezes, eu improvisando no violão, e ele me alertava: “Toco, tem uma melodia aí que você acaba de passar por ela”. Então eu recuperava o acorde e saía outra canção. Cada palavra tem um som que se ajusta à melodia. Vinicius era mestre nisso. Usar a palavra exata para cada acorde. Aprendi a valorizar esse detalhe, tão importante na composição final. Essa simplicidade e os temas abordados contribuem para a perenidade das canções.

Citaria composições que considera essenciais, que não podem ficar de fora em shows ou coletânea?

Difícil isso. Mas citaria “Tarde em Itapoã”, “São demais os perigos dessa vida”, “O filho que eu quero ter” e “Mais um adeus”.

Qual o ponto de partida para uma nova música?

Colocávamos a vida na frente da arte. A música era uma consequência de nosso cotidiano. Curtíamos tudo com prazer e compor tornou-se uma brincadeira permanente. Sempre motivados por situações novas, por lugares inspiradores e por pessoas amigas e interessantes. Enfim, saboreávamos a vida em todos os sentidos e esse sabor ia todo para a música.

“Arca de Noé” é um marco infantil na música brasileira. Quando vocês perceberam que tinham um projeto precioso nas mãos? 

Foi muito natural. Em 1978, incentivado mesmo por Vinicius, começamos a trabalhar com os poemas infantis de seu livro “Arca de Noé”. Foi um trabalho gostoso de fazer, uma séria brincadeira que em muitos momentos nos transformava em autênticas crianças vibrando com o novo presente a cada canção pronta. Criamos músicas para dois LPs, “Arca de Noé” (1979), e “Arca de Noé 2” (1980), e as canções até hoje fazem parte de currículos escolares e algumas delas usadas até na publicidade. Porque seus poemas identificam cada personagem, fazendo transparecer até a personalidade deles, encantando as crianças de uma forma inteligente, sem subestimar a percepção delas. Quem canta e convive com essas canções, cantará com certeza para seus filhos, até para os netos.  

Como surgiu a amizade entre vocês?

Quando comecei a trabalhar com Vinicius, em junho de 1970, ele ainda evitava viajar de avião. Então fomos para a Argentina de navio. Eu sentia uma sensação estranha, não sabia direito o que é que eu ia fazer lá. De repente, estava a bordo de um navio junto com Vinicius de Moraes, um ser humano grandioso de quem eu só conhecia o que ele tinha escrito e cantado por aí. Sei que na primeira noite no navio eu passei muito mal; e Vinicius ficou ao meu lado conversando naturalmente, sem se alterar. Nossa relação começou assim, e logo de cara eu passei a vê-lo um pouco como irmão, porque ele não sabia ser velho, o que na realidade ele não era. Durante a viagem de volta deixei com ele gravado em tema de Albinoni transformado em samba. Dois meses depois ele colocou letra, iniciando assim a parceria musical com “Como dizia o poeta”. Parceria que foi consolidada por uma intensa amizade.

Vinícius tinha personalidade forte. Qual o lado dele mais difícil de se lidar?

Quando se é amigo, tudo fica mais fácil. O essencial da amizade é compreender as diferenças. Havia em Vinicius uma vaidade, até compreensível e justificada, pois ele sabia de sua importância em tudo que atuava. E seu apego pelos parceiros, muitas vezes transformado em ciúme, que era também uma forma de carinho. 

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