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Murilo Melo – cem anos depois

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Murilo Melo Filho – (Das Academias Norte-Riograndense e Brasileira de Letras)

Se vivo fosse, Murilo Melo, meu pai muito querido, teria comemorado, no último 22 de janeiro, o I Centenário do seu nascimento, completando 100 de idade, porque nascido em igual data do ano de 1906.

A primeira visão que tenho da vida foi a de vê-lo carregando-me nos braços a fim de encontrar um médico, que logo diagnosticou: “seu filho está simplesmente envenenado”.

Um sagüi mordera-me no dedo e eu amanhecera no dia seguinte com o corpo todo malhado por manchas roxas e uma hemorragia no canto da boca, pelo qual jorrou sangue, sem parar, durante 30 dias e 30 noites.

Salvou-me um médico, o Dr. Farkhatt, que, naquela época, ainda sem antibióticos, produziu uma vacina “ensinada por Deus”. Muitos anos depois, no Rio, reencontrei-me com ele, já velhinho, babando: acompanhava-me na televisão, abraçou-me emocionado e chorou copiosamente no meu ombro.

Uma semana depois, morreu. Dir-se-ia até que não queria morrer sem nos despedirmos e estava protelando o resto dos seus dias para passar a uma nova existência, mas deixando aqui outra vida, que ele, anos antes, havia salvado.

As visões da infância, em seguida, foram as da revolução comunista aqui em Natal, no ano de 1935, quando o Major Luis Júlio e o Tenente José Bezerra, que estavam com o Governador Rafael Fernandes no Teatro Carlos Gomes, foram bater em nossa casa, ali bem perto, na então Rua das Virgens e meu pai os escondeu numa casa próxima, desocupada. E eu, durante os quatro dias do domínio comunista na cidade, exerci uma função, depois chamada de “contra-revolucionária”, levando-lhes a comida numa marmita.

Como castigo e represália por esse asilo, um vizinho da frente denunciou-nos ao comando da revolução: o carro de meu pai, um Ford-28, de bigode, foi levado pelos revolucionários e só reapareceria quatro dias depois, quando a revolução já terminara.

Meu pai foi um pioneiro no bairro do Tirol, quando, em 1938, construiu uma casa na Rua Apodi, 558. Foi uma construção no peito e na raça, durante quatro meses, sem um engenheiro ou arquiteto, mas apenas com um mestre-de-obras e quatro operários. Ainda hoje, quase setenta anos depois, ela ali se encontra, de pé, sólida.

O Tirol era, naquele tempo, um imenso areal, com muito mato e muita cobra. Fomos seus primeiros habitantes, desbravadores. Meu pai começou como telegrafista do Telégrafo Nacional, no mesmo ano e no mesmo emprego de Juscelino, dominando como ele o controle dos sistemas e mistérios da telegrafia do Morse e do Baudot, sendo depois radio-telegrafista da Condor Lufthansa e da FAB, como pioneiro na Base de Parnamirim.

Ali, a primeira coisa que se construiu foi a Estação-Rádio, de onde monitorava os vôos solitários do Brigadeiro Eduardo Gomes, comandante da 2ª Zona Aérea, sediada no Recife.

Estabeleceu-se então entre meu pai, na terra, e o Brigadeiro, no ar, uma enorme e confiante amizade. Nunca tiveram chance de um conhecimento pessoal e direto, mas, mesmo à distância, a admiração do telegrafista aqui em baixo pelo piloto lá em cima era tamanha que, mesmo sem ser político ou correligionário da UDN, – e sem a ninguém comunicar a razão daquele gesto – deu o nome de Eduardo ao seu último filho, nosso irmão mais moço.

Ele trabalhava muito em dois empregos.  Precisava somar dois salários, para acudir às despesas de uma família com mulher e sete filhos, necessitados de tudo. Nós o víamos tão pouco que nas nossas briguinhas de irmãos – Herilo, Hênio, Elma, Ilma, Ana Emília e Eduardo – nos ameaçávamos uns aos outros:

– Quando chegar domingo, nós vamos nos queixar ao papai.

Este é o retrato que, cem anos depois, ainda estou em condições de pintar: o retrato de Murilo elo, um homem de bem, honesto, probo e trabalhador, hoje homenageado numa rua de Natal. Dele herdamos não apenas o nome, mas também um legado, uma lição e um exemplo de muita dignidade, correção e luta, que tanto buscamos honrar e à cuja memória somos extremamente gratos.

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