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Costumes velhos

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Vicente Serejo
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Fiquei sentindo o gosto das lembranças tão vivas do menino, quando li o pequeno texto de Gutemberg Costa sobre os costumes dos vizinhos nos dias velhos da Semana Santa. E acabou a memória indo buscar o ensaio “Complexo Sociológico do Vizinho” que Câmara Cascudo enviou ao ‘Colóquio de Estudos Etnográficos da Junta da Província do Douro’, Portugal, e publicado em 1960. Não há trilhas, na cultura brasileira, que não tenha a marca anterior das pegadas cascudianas.
Gutemberg anotou a sobrevivência de algumas tradições em Nísia Floresta, onde mora há sete anos: “Os vizinhos chegam com presentes… batata, macaxeira, bolo. A padaria não fez pão hoje, me fez a doação de cinco deles. Só vi isto no meu tempo de criança, em Natal”. Sua mãe. D. Estela, presenteava os vizinhos e recebia, às vezes, no mesmo prato”. E informa: na Semana Santa muitos viventes de Nísia Floresta já comem peixe desde a quarta-feira. Não se fala em chocolate.

O ensaio de Cascudo foi publicado, originalmente, nos anais do então ‘Colóquio do Douro’ e, anos depois, 1971, incluiu nos seus ‘Ensaios de Etnografia Brasileira’, volume dois da ‘Coleção Consulta Científica’. Sem prefácio, mas apresentado por uma epígrafe de S. João Evangelista que dispensa a explicação: “Recolhei os pedaços que sobejaram, para que nada se perca”. A escolha de epígrafes foi sempre uma arte que Cascudo dominou com a vastidão do seu valioso repertório.
Estilista de fino traço ao narrar as coisas mais simples, ele abre o pequeno ensaio com uma frase perfeita: “Em cidade grande não há vizinho”. E depois, desdobrando a afirmação que revela toda a sua visão de uma leveza fina e acurada: “Ignora-se o nome. Os moradores em edifícios de apartamento próximos, como em casas térmites, vivem mentalmente longe. Muito mais vizinhos são os amigos que vivem distanciados que os divididos por finas paredes de cimento armado”.
Na visão de Cascudo, antecipador de tudo quando fora escrito entre nós, os provincianos desta Aldeia Velha de Felipe Camarão, na vida moderna não há vizinhos, ainda que a proximidade aponte. É como se uns não precisassem dos outros. E cita um amigo do Rio de quem ouviu que seus vizinhos eram o telefone e o carro. Alegórico, Cascudo avança: “As abelhas citadinas enchem os seus favos sem canais comunicantes. Ligam-se socialmente de maneira frontal e não lateral”.
O ensaio não é tão breve e Cascudo sabe forrar o chão com a erudição das suas leituras que iam muito além da impressão pessoal, e sem perder o sentido humano do bom humor. Ao reunir frases do povo e citações clássicas, de Roma à música popular, cita Noel Rosa para lembrar o saber da malandragem, cuja ideologia Antônio Cândido estudou de forma definitiva. Em Noel, Cascudo vai buscar o exemplo de convicção vaidosa do lugar de viver: “Modéstia à parte / eu sou da Vila”.

PALCO

CONVITE – Dia 12, sexta, 17h, nos jardins do Instituto Histórico, vai ser lançada a terceira edição de “O Fabulário da Freguesia de N. S. da Conceição do Rio dos Homens”. É um livro esgotado.

OITENTA – Pedro faria agora oitenta anos. A edição é uma homenagem da família e um gesto de Armando Holanda, um dos seus maiores amigos. É Ceará Mirim com os personagens vivos e reais.

SIM – De um ariranha municipal todas as vezes que ouve a euforia sobre o ‘sim’ do prefeito Álvaro Dias: “Resta apenas saber quem recebe, de fato, esse sim ou se os dois lados gostam de ouvi-lo”.

DATA – Este 2024 marca os 80 anos do desaparecimento do piloto e escritor Saint-Exupéry. Aqui, por estas terras e estas praias, Exupéry virou uma lenda bebendo cachaça lá no Canto do Mangue.
FESTA – Bebeto Torres vai reunir o melhor de todas as tribos sociais desta Capitania do mui lido senhor João de Barro na festa dos seus dez anos de colunismo. Dia 10.05, no Chaplin Recepções.

EXPO – Aberta no Instituto Histórico a exposição ‘Culto dos Orixás’, do Mestre Santana com a Curadoria de Damião Vieira. E vai ficar aberta à visitação pública e gratuita até o dia 28 de junho.

POESIA – Do poeta de Gaza Bassman Addirawi, do poema ‘Filho Desobedientes’, no aviso entre a dor e o prazer: “Meus temores crescem dentro de mim / como filhos que espicham a cada dia”.

OLHO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, olhando o homem que mordia o pão dormido que recebeu de uma esmola: “O pão sacia a fome dos pobres, mas nega o prato do futuro”.

CAMARIM

MEMÓRIA – Quem duvidar é só procurar nos arquivos do ‘Jornal de Hoje’ que ao longo de 18 anos mostrou seu excelente jornalismo, sob o comando de Marcos Aurélio de Sá. Vai encontrar o combate deste cronista contra o lançamento do livro de Brilhante Ustra na Academia de Letras.

TRAMA – A sugestão de que deveria ser na ANL veio de uma outra instituição cultural. Ao tomar conhecimento, protestei. A posição provocou o artigo de um militar que, também, à época, escrevia no ‘Jornal de Hoje’. E uma quadrinha galhofeira e anônima acusando o cronista de ser comunista.

REBATE – Protestei: a ANL não tinha o dever de garantir o direito de defesa se não abrigara as acusações, mesmo verdadeiras. Três únicos imortais ficaram solidários: Ticiano Duarte, com um artigo nesta TN; Lenine Pinto e Nilson Patriota. Ustra, no seu horror, deslustrou sua própria vida.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem, necessariamente, a opinião da TRIBUNA DO NORTE, sendo de responsabilidade total do autor.

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