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José Ary, aconteceu

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O mundo anda pedante e hipócrita, amordaçado por regras ideológicas que mutilam a graça da convivência social. Então, resolvi lembrar um dos meus heróis da comunicação irreverente e indiferente a regras: José Arimatéia Lima, o nome oficial do narrador da TV Universitária, José Ary, revolucionou, em sua linguagem gozadora, debochada e imprevisível, a narração potiguar.

Veterano do Estádio Juvenal Lamartine, onde transmitia jogos pela Rádio Poti, José Ary tinha um estilo sóbrio, cerimonial, uma voz grave, de barítono. Impunha solenidade às piores peladas e batizava jogadores com apelidos que alguns rejeitavam com indignação.
Marinho Apolônio, de 1977 a 1984, foi o melhor jogador, disparado, do Rio Grande do Norte. Um meia-atacante de raríssima habilidade, dribles curtos e gols improváveis, de repentina beleza. A coroa de Alberi passou a Marinho Apolônio.
José Ary, então, resolveu chamar o camisa 10, à época maior ídolo do ABC de “Grande Mara”. Dizia mais ou menos assim: “Lá vai o grande Mara, driblando, um, dois, três jogadores de quinta categoria até fazer o gol. “Seu grito de gol ninguém daqueles tempos esquece: “Aconteceu, torcedor, ABC 1×0 Riachuelo, golaço do Grande Mara”.
Eram tempos em que não havia essa vigilância sobre direitos e emancipação sexual. Estávamos nos anos 1980, com o General Figueiredo ainda na Presidência da República, arrependido de ter prometido devolver ao país a democracia. Eram os acréscimos, os descontos do regime de exceção.
Marinho Apolônio passou a achar que José Ary estava lhe chamando de veado e quase tomou satisfações em confronto pessoal. José Ary apenas ria e continuava sacaneando. “Chuta Grande Mara, bate no gol que esse frangueiro deixa passar”.
A lenda principal sobre José Ary é sobre a expressão: Está formado o c* de burro na área do ABC”. Ao contrário do que é (mal) contada, a sacada de José Ary aconteceu no jogo ABC 1×2 Ferroviário em 1981, suspeitas concretas, segundo dirigentes alvinegros, de suborno a jogadores para entregarem a vitória.
Daí, todo mundo encontrava José Ary e puxava a conversa que o deixava irritado: “Lá vem o homem do c* de burro”. Algumas vezes, em supermercados ou lojas, respondia de um jeito que desmontava o sujeito: “Você fala tanto em peia de burro que eu acho que está querendo uma.”
Em 1986, ABC e América tinham dois craques boêmios vestindo a camisa 10 de cada time: Adalberto pelo ABC e Valério no América. Jogavam demais, davam espetáculo, encantavam as torcidas no Castelão. Zé Ary resumiu: “Adalberto e Valério, quem fizer o gol da vitória ganha uma garrafa de cana”. Os craques já apresentavam a dependência alcóolica responsável pelo fim de suas carreiras.
Gostava de repelir seus comentaristas. Um deles, Francisco Miranda, foi chamado a opinar durante um ABC x América eletrizante que estava 2×2 antes dos 30 minutos.
Miranda afirmou que “não dava para emitir um ponto de vista porque os times ainda estavam se estudando.”José Ary, raciocínio de Fórmula 1, espetou: “Miranda, se os times estudarem do jeito que você quer, terminam passando de ano.”
O universo onde pontificava José Ary desconcertava pela graça e fazia o torcedor menos tenso antes dos clássicos. Não havia torcidas organizadas com integrantes marginais. Numa frase, dizia: “Aquele sabe jogo, aquele outro é um bosta, é fraco”. Seu linguajar era o do torcedor humilde da arquibancada e da geral.
Não abria para ninguém. O Flamengo veio para um amistoso contra a Seleção de Natal em 1984. Marinho Apolônio e Silva fazem um partidaço e cada um marca um gol. Bebeto fez o primeiro e Júnior o segundo dos rubro-negros.
O gênio Leandro, jogando de zagueiro-central, foi expulso, criou confusão, o time ameaçou sair de campo e terminou ficando: Lá vinha Zé Ary: “Leandro, deixe de frescura, deixe de besteira senão deixa de tomar cana com cioba(peixe).”
Três anos atrás, Zé Ary foi levado pela Covid-19. Estava fora de combate profissional. No vazio onde se impunha a beleza do assassinado Estádio Castelão, sua voz cavernosa parece ecoar ao vento vazio: “Pode ficar certo meu amigo, que esse jogo é de quinta categoria”. José Ary, de verdade, aconteceu.

Boleiro Pergunta para o diretor de futebol do ABC, Marcelo Segurado: o zagueiro Augusto, por ele contratado, é ou não é um boleiro perna de pau?

Potência Segundo o site o Gol, que faz o raio-x da boleirada no Brasil, o novo contratado pelo ABC, Lucas Oliveira, atacante, só fez seis gols nos últimos cinco anos. É uma potência, é um Romário.

Dois pagantes Um jogo com dois pagantes no campeonato estadual. Poderiam ser dois confidentes, dois cúmplices, dois amantes.

Demissão Dezoito anos de serviços prestados ao América e o supervisor Gilmar dos Santos é demitido como um qualquer. Com a SAF, o clube perde a chama da alegria e mergulha no iceberg da angústia. Esses caras sequer devem torcer pelo América.

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