Nelson Patriota – Escritor
Em flagrante contraste com sua pálida imagem do presente, o velho Atheneu está vivo e forte na lembrança das gerações que viveram seus grandes dias de um longo passado. Seus ex-professores, seus ex-alunos, são unânimes em evocar imagens sempre positivas, superlativas, até, do antigo colégio por onde passaram sucessivas levas de intelectuais, professores, homens públicos, enfim, todos – ou quase todos – os protagonistas da vida natalense em mais de um século de sua história.
A rigor, o Atheneu que ressurge agora, graças a uma combinação de nostalgia e exaltação no livro “Construtores da ágora soberana potiguar: múltiplas memórias” (Infinita Imagem, 2014), organizado por Diógenes da Cunha Lima e Eva Cristini Arruda Câmara Barros, é uma instituição vívida, vibrante mesmo, fruto da memória espontânea de que falava Proust, resumindo-se seu chá e sua madalena a um simples convite dos seus organizadores. Aliás, ambos dão a sua cota na feitura da argamassa de letras e lentes do livro, o primeiro com um novo retrato do escritor Luís da Câmara Cascudo. A segunda, nos retratos de Celestino Pimentel e Olindina Cortez dos Santos Lima.
Já na orelha do “Ágora soberana…”, o memorioso Ticiano Duarte (notável ausência em suas páginas internas), descreve a idosa instituição como aquela “por onde passaram inúmeras gerações, abrigou norte-rio-grandenses que construíram nosso patrimônio cultural e político”. É essa íntima aliança – “umbilical”, nas palavras de Ticiano ?, de que hoje se ressentem nossas instituições políticas, quando foram tão férteis os frutos de sua outrora pacífica e frutífera convivência.
Os exemplos abundam no livro: Antônio José de Melo e Souza (nom de plume Policarpo Feitosa), Augusto Tavares de Lira, José Augusto Bezerra de Medeiros, Juvenal Lamartine de Faria, Manoel Gomes de Medeiros Dantas, Pedro Velho… Todos conciliaram a vocação para a vida pública com o serviço à cultura.
É verdade que às vezes com fins obscurantistas, como aconteceu com a atitude intolerante do governador Pedro Velho na reação à rebeldia dos alunos ao professor Espírito Santo, fechando a instituição para “obras”, como narra o pesquisador Olímpio Maciel no artigo “Pedro Velho e o Atheneu”. Em compensação, a aliança entre José Augusto de Bezerra e o jornalista e professor Manoel Dantas rendeu ideias e ações extremamente favoráveis à educação potiguar. No artigo “O educador José Augusto de Bezerra de Medeiros”, da professora Marta Maria de Araújo, lê-se uma máxima daquele político que o passar dos anos só faz realçar: “Tudo conspirou na minha vida pública para que me voltasse para as questões educacionais que sempre me pareceram fundamentais para todos os povos […] Mas irrecusável é que a Educação está na base de tudo e que sem atenção que a ela é preliminar e preferencialmente devida, impossível resolver todos os outros casos econômicos, políticos, sociais e morais a que cumpre atender”.
E o que dizer, por exemplo, do professor João Tibúrcio que, segundo seu retratista Carlos Frederico de Oliveira Lucas da Câmara, comemorou “58 anos ininterruptos no magistério, de 1869 a 1927”, e que, enfim aposentado, “faleceu como que reagindo à perda de seu ‘natural’ habitat”?
Nessa galeria de homens notáveis pelo saber e “poder do saber” (Francis Bacon) não poderia faltar um perfil criterioso do Padre Monte, aquele que Natal conheceu pelo dístico de “sábio e santo”. Seu biógrafo Jurandyr Navarro flagra o momento em que o sábio Monte ascende à cátedra de latim do Atheneu defendendo duas teses que demonstraram de maneira cabal seu domínio sobre aquela matéria.
Mas a longevidade da instituição Atheneu comporta muito mais. Por isso, é de crer que esse volume agora lançado, contendo “apenas” trinta e oito dos mais de duzentos professores selecionados na pesquisa de Diógenes e Eva Cristini, comece a parecer insuficiente. Que ao menos um segundo o siga, então.
