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O coronel reencontrado

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1 – Chico Heráclito foi o mais famoso coronel do Nordeste. Em Limoeiro, Pernambuco, quem mandava era ele. Era o senhor da terra, do fogo e do ar. Ou se obedecia ou se morria. Manda quem pode. Obedece quem tem juízo.

Fazia eleição como um pastor. Punha o rebanho em frente à casa e ia tangendo, um a um, para a urna. Na mão, o envelope cheinho de chapas, que ninguém via, ninguém abria, ninguém sabia. Intocado e sagrado como uma virgem medieval.

Depois, o rebanho voltava. Um a um, para comer. Mesa grande e fartura fartíssima. Era o preço do voto. E a festa da vitória. Um dia, um eleitor foi mais afoito que os outros.

 – Coronel, já cumpri meu dever, já fiz o que o senhor mandou. Levei as chapas, pus tudo lá dentro, direitinho. Só queria perguntar uma coisa ao senhor: – em quem foi que eu votei?

– Você está louco, meu filho? Nunca mais me pergunte uma asneira dessa. O voto é secreto.

2 – Dia de festa em Limoeiro. O time da cidade ia jogar com o escrete de Garanhuns, disputando o primeiro lugar no Campeonato Intermunicipal. Coronel Heráclito chegou todo de branco, sentou na cadeira de vime, a partida começou.

Primeiro tempo, segundo tempo, nada. Zero a zero. Cinco minutos para acabar o jogo, o juiz, que tinha ido do Recife, marca pênalti contra Limoeiro. A torcida da cidade endoidou, invadiu o campo. O juiz corre para junto do coronel Heráclito para não ser linchado. O coronel levantou a bengala, todo mundo parou:

– O que é que houve, seu juiz?

– Um pênalti que marquei, Coronel.

– O que é esse negocio de pênalti?

– É quando o jogador comete uma falta dentro de sua própria área.

– E o que é que acontece?

– Ah, coronel, aí a bola fica naquela marca, em frente à trave e um jogador adversário chuta, só ele e o goleiro.

– E faz o gol, seu juiz?

– Sempre faz, coronel. É difícil o goleiro pegar pênalti.

– Muito bem, seu juiz. Sua explicação é muito boa. E eu não vou tirar sua autoridade. Já que houve o tal pênalti, faça como a regra do futebol manda. Só que o senhor em vez de botar a bola em frente da trave de Limoeiro, faça o favor de botar do outro lado e mandar um jogador daqui da cidade chutar.

– Mas, coronel, isto é contra a lei.

– Pois já ficou a favor. Aqui em Limoeiro a lei sou eu.

Limoeiro ganhou a partida, obviamente.

3 – Apareceu um rapaz em Limoeiro, sabia fazer discurso e se elegeu vereador. Mas desobedeceu a Chico Heráclito. Na eleição seguinte, nem candidato foi.

– Por que o senhor o cortou, coronel?

– Era muito precoce.

– Precoce, como?

– Precoce. Vereador com burrice de senador.

4 – Elegeu o sobrinho Antônio Heráclito do Rego deputado federal. O deputado tinha fama de conversa fiada, contador de vantagens. Uma tarde, o capataz da fazenda chega à varanda onde, todos os dias, o coronel esperava a noite descer:

– O menino está fazendo bonito lá em Brasília, não é coronel?

– Que menino?

– O doutor Heraclinho.

– Como é que você sabe?

– Eu vi ele contando no bar os trabalhos dele lá na capital. Aliás, desde pequeno que ele foi menino muito esperto, muito inteligente.

– É, inteligente ele é muito. É tão inteligente que a verdade acaba e ele continua falando.

5 – Um correligionário fiel correu, pressuroso, para o velho político e falou: “Coronel, Chico Preto está, ali na esquina, falando tudo que é de ruim e mal do senhor”. Surpreendentemente, Chico Heráclito interrogou: “Mas, de mim? Eu nunca fiz um favor, um benefício sequer a esse rapaz?”.

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