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As novas de Vereda

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Woden Madruga [ [email protected] ]

Eis que no meio da semana, calorzinho natalense de 34 graus antecipando os verões de beira de praia, cai na minha bacia das almas um imeio do mestre Florentino Vereda.  Há meses sumido do radar, imaginando eu estivesse fruindo algum ano sabático por outros meridianos muito além dos tabuleiros do Jalapão aonde dedica, tempo integral dedicação exclusiva, às  suas pesquisas botânicas mais dirigidas para a mangabeira (‘Hancornia speciosa Gomes’), repensando, talvez, novos projetos envolvendo a rica flora dos cerrados do Tocantins, a partir dos arredores da Cachoeira da Velha.  Mas logo nas primeiras linhas do imeio, Vereda revela o mistério de sua prolongada ausência:

“Meu caro Woden:

Volto a lhe dar notícias, depois de um longo período ausente, até mesmo das redes sociais. Sucede que surgiu para mim uma forte chance de participação de um programa de intercâmbio de ideias na Universidade de Heidelberg, onde pretendo apresentar a discutir as minhas pesquisas sobre o “araticum-cagão”.

Por sugestão do meu amigo, Prof. Axel Geburt, PHD, decidi-me a fazer uma imersão em alemão e, a convite dele, mudei-me para a bucólica cidade de Aachen, também conhecida por Aix-la-Chapelle, no norte da Alemanha. Foi um período extremamente prazeroso, mas, como todo brasileiro, aperta-me a saudade de casa, a  visão encantadora do  capim dourado de Mateiros,  e retorno ao solo pátrio.

Longe e desligado dos assuntos da nossa terra, não acompanhei o cotidiano das notícias. Agora vejo que muito óleo rolou por baixo das pontes construídas pelas OAS, Odebrecht e outras tantas.  Mando-lhe um pequeno texto com um abraço fraternal.

Seu amigo e admirador, Florentino Vereda.

P.S.: Mando um abraço  quase germânico para o Alex Nascimento. Sim, começo de maio, passando por Lisboa, já na volta para o Brasil,  vi nas barracas dos tripeiros do Mercado da Ribeira, ali nos arredores do Cais do Sodré, o Tejo como testemunha, uma figura muito parecida com o Ricardo Careca. Quando tentei  me aproximar (havia muitos turistas) o cara havia desaparecido no rumo da rua do Alecrim, subindo a ladeira. Seria mesmo o Careca?

FV.”

Segue o texto de Florentino:

A tumba do faraó
Quando o “affair” Petrobrás já perdia pontos no IBOPE, eis que surge uma notícia do outro mundo. O presidente da CPI vai pedir a abertura da cova do ex-deputado José Janene para saber se, realmente, existe lá um cadáver e se, em havendo, é mesmo o do presumível finado político. Não creio que encontrem no seu esquife um tesouro digno de um faraó. No máximo um ou dois dentes de ouro, pois dinheiro – nestes dias bicudos – se enterra em agências do HSBC, na Suíça, ou nas praias do Caribe. Sei não; esse negócio de abrir túmulos é muito arriscado. Ninguém pode prever que maldições serão liberadas, complicando ainda mais a situação assombrosa do país, quando os fantasmas da inflação e da recessão apavoram um povo revoltado com um governo que já está com um pé na cova.

Eu, por pura intuição, não tenho dúvidas de que ele está lá, mortinho da silva (Janene, não Lula). Afinal, se vivo fosse, não teria se metido nessa trapalhada. Pode até ser que  tenham enterrado um seu auxiliar que – leal até à morte – assumiu a tarefa de substituir o patrão na hora extrema. Por outro lado, se realmente for dele a ossada, o “de cujus” já terá passado pelo julgamento divino, de cuja sentença não cabem embargos infringentes, nem mesmo tendo como advogado o Papa Francisco. E não se pode pedir a extradição. Quando muito, esperar pela próxima reencarnação, se ele tiver o azar de renascer no Brasil.

No foro terreno, onde corre o processo da operação lava-lato, não há mais como incluí-lo. Ninguém pode ser julgado mais de uma vez por um mesmo crime. Ademais seria totalmente improdutivo, pois se intimado a depor, certamente usaria do direito de permanecer em silêncio sepulcral, embora possa apresentar defesa escrita, psicografada por algum pai-de-santo da Bahia ou, quem sabe, a própria Irmã Jaciara. Mas se, por mera hipótese, ao final do julgamento recebesse o veredicto de culpado, não imagino que punição haveria de receber. Talvez em regime semi-aberto em que passasse o dia no purgatório e voltasse à noite para dormir no inferno.

De um tempo pra cá virou moda cascavilhar e desenterrar defuntos, sem  se chegar a qualquer conclusão racional. Em Jango e Arafat procuraram vestígios de veneno. Arafat teria tomado doses letais de polônio. Jango, a meu ver, morreu de saudades, impedido de voltar ao Brasil, quando ainda valia a pena voltar. Juntamente com Juscelino – vitimado em um acidente de estrada – foi exumado o corpo do seu motorista, leal em vida e depois dela. Ainda não se falou em exumar os corpos de Castelo Branco e Costa e Silva – também vítimas de estranhas mortes – talvez com receio que eles queiram voltar ao poder, sensíveis aos apelos inconsequentes e fascistas da elite branca.

O fato é que, nestes tempos sombrios em que vivemos, até o descanso eterno é perturbado poucos anos depois da morte. Os faraós do Egito, pelo menos, puderam curtir um sono tranquilo por mais de quatro mil anos, antes de serem acordados, exumados e transportados para longe dos seus reinos, servindo de atração para turistas ignorantes e barulhentos. Muitos deles se vingaram com maldições que causaram desgraça a personagens medíocres de filmes baratos dos estúdios de Hollywood.

Eu já disse lá em casa que, quando a Moça Caetana me levar, “(…) com o manto negro, rubro e amarelo (…)”, que seja cremado e que as minhas cinzas sejam jogadas do alto do Cabugi para que, “(…) rufiando nas pedras do sertão, pairando sobre urtigas causticantes (…)”, possa eu dormir o sono eterno dos desencarnados, ouvindo a prosa e a poesia de Ariano, embalado pelo Réquiem de Mozart.

Poesia  “Na mínima fala do cacto, / reconheço meu dialeto. / Quando flore, é alfabeto / de odores ralos, didáticos. / Nasce no chão do falto / e , em sua nudez de pária, / narra melhor a ordinária / saga que medra no vácuo.” (De  Adriano de Souza, no poema “Graça”,  do seu livro “Flô”).

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