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Dos poetas e prosadores

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Woden Madruga [[email protected]]

Aproveito a chuva que cai sobre a cidade para abrir as gavetas desarrumadas na busca das boas noticias de antigamente, tão boas quanto o aguaceiro que vejo através da janela embaçada. No radinho de pilha, entre um estalido e outro,  ouço notícias de chuvas fortes no Seridó, subindo na direção de Parelhas e Equador e já chegando na divisa com a Paraíba. Abro o primeiro envelope, o papel já perdendo a cor, e vou conferindo as cartas, bilhetes, cartões, passando os dedos com cuidado. Ali estão escritos assianados pelos poetas Dailor Varela e João Gualberto, pelos prosadores Veríssimo de Melo e Franklin Jorge,  jornalista Waldemar Araújo,  violonista e compositor Mirabô Dantas. São cartas e bilhetes datados entre 1970 e 1990, por aí. Releio a de Dailor Varela, que não tem data e está datilografa em papel de redação do jornal “O Diário”, da cidade de Monteiro Lobato, São Paulo:

“Amigo Woden,

A foto sou eu no frio lobatense, Serra da Mantiqueira, bucólica província de Monteiro Lobato, onde habito meus fantasmas e fantasias e travessias, no cotidiano todo. Estou chegando aí para o lançamento do meu livro de poemas TRAVESSIA publicado pela Fundação José Augusto, reunindo 20 anos de alguma poesia.

Na realidade TRAVESSIA é além de um livro, 45 anos de vida, dois filhos, dois casamentos, travessias e andanças: da Redinha, do poeta João Gualberto,  a  Mantiqueira de Monteiro Lobato. E tantos amigos por aí, que quero ver/sentir, tomar cerveja.

Tomar suco de mangaba feito por minha mãe. Não são apenas muitos livros na estante,  mas como dói. Ah, Drummond! Por falar em livros, “CANTO DE PÁGINA” de Diva Cunha é um dos livros de poesia de cabeceira deste poeta em trânsito. É muito bonito mesmo. Um dos livros mais bonitos que leio sempre, junto com todo João Cabral de Mello Neto, pelo qual estou cada dia mais apaixonado. “procuro uma cidade/ não acho/ sobre muro/ falta espaço” como diz a poeta Diva Cunha, atrás das suas lentes de enxergar  cães sem plumas.

Estou curtindo muito esse ir a Natal. Despoluir a cabeça dos políticos daqui, do colunista dailor varela, dessa loucura toda que é ser colunista/jornalista, que você, WM, conhece bem. Haja coquetéis, peruas, porres, conversa fiada, hotel, madrugadas.
Me parece que você tem um Caio? Tenho um de três anos. Ter um Caio é fundamental.

Abração e até já.

Dailor.”

Julgando literatura
A carta de João Gualberto, poeta e jornalista, não tem data nem o lugar onde foi escrita. Mas pelo toque, foi daqui mesmo de Natal, datilografada em papel jornal. Desconfio que foi pelos anos oitenta. Vejamos:

“WM:

Permita-me entrar no seu jornal para oferecer uma sugestão aos responsáveis pela política cultural desta Nova Amsterdã sentimental.

Tenho acompanhado os resultados dos concursos literários “Othoniel Menezes” e “Câmara Cascudo” e, mais uma vez, deixo de acreditar no vigente sistema de julgamento dos trabalhos apresentados.

Todos os anos, infelizmente, repetimos os mesmos erros de julgamento dos anos anteriores, a partir do critério de escolha das comissões julgadoras. Ainda não conseguimos depurar os concursos, os únicos de nossa geografia, dos vaidosos medalhões, das capelinhas literárias, dos grupinhos inconsequentes. Este ano, no caso específico do “Othoniel Menezes”, o que ocorreu foi simplesmente um desrespeito aos 22 autores que apresentaram trabalhos a um julgamento que sempre pecou pela subjetividade.
Ora, se mantemos na Universidade Federal do Rio Grande do Norte uma faculdade de Letras, por que não encontrar uma fórmula junto à Pró-Reitoria de Extensão Universitária para que, todos os anos, a faculdade indique elementos para compor as comissões julgadores dos concursos literários? Acredito que, dessa maneira, evitaríamos tantas repetições de má vontade e desrespeito para com os trabalhadores da palavra. E, sem dúvida, aproveitaríamos uma mão-de-obra especializada.

Pela atenção ao repórter,

um abraço.

João Gualberto”

Literatura de cordel
A terceira carta é assinada por Franklin Jorge, o ensaísta e critico literário,  datada de 19 de fevereiro de 1976. São 21 linhas datilografadas. Não usa a letra em maiúsculo,  assim, do mesmos jeito como o escritor português Walter Hugo Mãe (valter hugo mãe) publicou seus ´primeiros romances:

“caro woden:
eis que ataco novamente, para lhe dizer que estará chegando à natal nos próximos dias o escritor e folclorista sebastião  nunes batista, cumprindo roteiro da fundação casa de rui barbosa. sebastião é um grande estudioso da literatura de cordel e uma grande figura humana. ele aqui pretende comprar folhetos de cordel e matrizes de xilogravuras, além de entrevistar alguns de nossos poetas e artistas populares. procurará também manter contactos com pesquisadores como veríssimo de melo e deífilo gurgel. o quartel-general de sebastião deverá funcionar lá pela fundação josé augusto, pois ele traz uma recomendação de jacobina lacombe a sanderson. talvez o sanderson possa lhe fornecer melhores informações. transmito-lhe apenas o que o sebastião me contou por carta. como  vê, parece que a cultura popular nordestina começa a ser olhada com bons olhos, e não apenas com bons olhos, mas sobretudo com bons gestos. benza-os deus! seu amigo cearamirinse, francklin jorge”

Poesia  
“O dia nasce grunhindo pelos bicos/ Dos urumurais…/ Dos azulões… da asa branca…/ Mama o leite quente que chia nas cuias espumando…/ Os chocalhos repicam na alegria do chouto das vacas…/ As janelas das serras  estão todas enfeitadas/ De cipó florado…/ E o coên! coêm! do dia novo -/ Vai subindo nas asas peneirantes dos carcarás…/ Correndo os campos no mugido do gado…” (Do poema “Manhecença…!” do poeta Jorge Fernandes).  

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